O Brasil é curiosamente o país mais católico, mais pentecostal e mais espírita do mundo. Ao mesmo tempo, o número de não-religiosos aumenta a cada ano (dos míseros 0,2% em 1940 para os significativos 7,4% em 2000).
Os católicos ainda são uma maioria expressiva (bem mais de 2/3 da população), embora em acentuado declínio (de 95% para 73,6% no mesmo período acima). Porém, uma grande quantidade deles são cristãos nominais. Se pesquisarmos a identidade religiosa das mulheres que cometem aborto, das pessoas envolvidas com o narcotráfico, das prostitutas e dos políticos corruptos — não será novidade se quase todos se declararem de origem católica.
É quase impossível calcular o grande número de brasileiros que se dizem católicos, mas, ao mesmo tempo, acreditam na reencarnação (o Instituto Datafolha afirma que são 44%), o que dificilmente aconteceria se eles conhecessem as Escrituras Sagradas e o próprio ensino da Igreja Católica. Com uma facilidade assustadora, esses cristãos batizados, mas não evangelizados, trocam a boa notícia da justificação cristã pela notícia oposta da reencarnação hinduísta, ainda que a discrepância entre uma doutrina e outra seja gigantesca. A mistura é tão grande que está se chamando de “catopírita” o católico que freqüenta um centro espírita e tem certa simpatia pela reencarnação, e de “espiritólico”, o espírita que freqüenta as missas e batiza os filhos na Igreja Católica (Folha de São Paulo, “Religião”, 06/05/07, p. 9).
Embora em contínuo crescimento, principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste, o lado evangélico da igreja brasileira não tem dado o mesmo testemunho de alguns anos atrás, quando era uma igreja menor.
Temos muitas divisões, nem todas provocadas pelo zelo doutrinário ou pelo desejo honesto de sermos uma igreja de maior fervor espiritual. Por não estarmos sujeitos a uma central que controla tudo, como acontece na Igreja Católica, nossas divisões são mais visíveis, mais acentuadas e mais freqüentes. Não poucas são motivadas pela vaidade humana, pela sede de poder, por questões puramente pessoais. Temos denominações históricas (luteranos, congregacionais, presbiterianos, metodistas, batistas, episcopais etc), denominações pentencostais (Congregação Cristã no Brasil, Assembléia de Deus, Igreja Evangélica Pentencostal o Brasil para Cristo, Igreja Pentencostal Deus é Amor, Igreja do Evangelho Quadrangular etc.) e denominações neopentencostais (Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus, Igreja Renascer em Cristo etc.). Somos presbiterianos, presbiterianos independentes, presbiterianos conservadores, presbiterianos fundamentalistas, presbiterianos renovados, presbiterianos “tolerantes” (Igreja Presbiteriana Unida) e até presbiterianos “soltos” (desligados de qualquer estrutura eclesiástica). Todas as outras denominações históricas têm fragmentação equivalente à da presbiteriana, citada como exemplo.
Os fundadores da Igreja Universal do Reino de Deus (Edir Macedo), da Igreja Internacional da Graça de Deus (R. R. Soares) e da Igreja Cristo Vive (Miguel Ângelo) saíram todos da mesma Igreja de Nova Vida, em Botafogo, no Rio de Janeiro, RJ. Em alguns lugares, a igreja de Edir Macedo está na mesma rua e no mesmo quarteirão da igreja de seu cunhado R. R. Soares. Quase todo dia organizamos uma nova igreja, em alguns casos sob a desculpa de fugirmos ao emaranhado das muitas denominações. Não há como negar a existência de competição entre o grupo católico e o grupo protestante e também entre uma denominação evangélica e outra. A competição acontece ainda entre igrejas da mesma denominação. Sabe-se que há igrejas que mudam certas práticas e certas convicções só para não perder membros. Estamos fazendo o que se faz no mundo dos negócios, adotando a concorrência, que, em última análise, tem muito a ver com o mundo darwiniano.
Salvo algumas exceções, a euforia está tomando o lugar da contrição. A euforia pela quantidade — os grandes ajuntamentos, as grandes colheitas, os grandes relatórios, os grandes milagres, os grandes templos e as grandes igrejas (criamos até a palavra “megaigreja”). A doença da euforia religiosa alcança até a oração (o presunçoso “eu ordeno” substitui o humilde “eu suplico”). Cantamos mais hinos retumbantes (“Vou lançar a minha rede ao mar, muitas almas vou ganhar, tantas que eu não poderei contar, almas como a areia do mar”) do que hinos de arrependimento (“Se eu não andei nos bons caminhos teus, perdão, Senhor!”).
Não temos feito a sábia distinção entre alegria e euforia. A alegria nos conduz à adoração e à gratidão. Já a euforia quase sempre descamba na soberba, além de nos tirar os pés do chão e nos desviar do alvo certo. A projeção do nome e da imagem é um mau sinal e um perigo. Outro dia o Reverendo José (nome fictício) colocou um anúncio de página inteira numa revista evangélica que mencionava seis vezes o seu nome e estampava seis vezes a sua foto. Este senhor referiu-se a ele mesmo como “o homem que recebeu os nove dons espirituais”. O anúncio terminava assim: “Quem deseja visitar a Igreja do Reverendo José, o endereço é …”. Fazemos propaganda descarada de nós mesmos ou do nosso grupo. Basta abrir uma edição qualquer do órgão oficial de certa denominação neopentecostal para encontrar ali o nome e a foto de seu fundador dezenas de vezes. Quando essa revista e outras do gênero contam histórias de conversão, de curas espetaculares e de ascensão financeira, elas deixam bem claro que tais eventos se deram por causa do programa de televisão deles ou porque a pessoa visitou a igreja deles. É puro marketing religioso, que funciona, mas que não se pode chamar de evangelização. Há poucos anos, certo pastor de uma denominação histórica anunciou que iria construir o maior templo, cuja planta havia sido elaborada pelo maior arquiteto do mundo (referia-se a Oscar Niemeyer), no melhor lugar, para o maior Deus.
Os pastores estão em crise e os rebanhos também. Em muitos casos, a figura do pastor deixa muito a desejar em várias áreas: quanto à vocação, à motivação, à vida devocional, ao caráter, ao exemplo, à autoridade, à pregação, à liderança (ora fraca demais ora dominadora demais), às relações familiares. Por causa da diminuição da qualidade pastoral quase nada mais resta daquela admiração e daquele orgulho que o rebanho tinha pelo seu pastor. Some-se a isso a influência de certas correntes que propagam a idéia de que a presença e o ministério do pastor são desnecessários. A baixa qualidade reforça a falsa idéia, e vice-versa.
Talvez o maior desafio da igreja brasileira e das igrejas de todo o mundo seja a tristemente famosa teologia da prosperidade. Usando a linguagem de Paulo poderíamos dizer que “outro evangelho” (o da prosperidade) tomou o lugar do “evangelho de Cristo” (Gl 1.6-7). Essa pregação, nascida no Estados Unidos, não menciona o pecado, o arrependimento e o “negar-se a si mesmo” (Lc 9.23). Abaixa a altura do paradigma, aumenta a largura da porta, alarga o caminho apertado e multiplica o número de companheiros de jornada (Mt 7.13-14). É o evangelho da graça barata, que apresenta Jesus como Salvador, e nunca como Senhor, pelo menos na prática. É a versão religiosa da badalada auto-ajuda, que domina o mercado livreiro. É o evangelho da satisfação pessoal, da cura, do sucesso, de bens, de vantagens, de mansões, de casa na praia e na montanha, de carros importados, de roupas e jóias de marcas famosas. É o evangelho que excita agradavelmente e não exige nada, como explica o pesquisador George Gallup Jr. É a chamada religião à la carte.
Além daqueles que nasceram dentro da teologia da prosperida
de ou a abraçaram a certa altura de sua vida cristã, outros muitos estão se interessando por ela e se comprometendo com ela sem, contudo, abandonarem suas igrejas de origem e irem para igrejas neopentencostais. A propaganda cerrada da teologia da prosperidade pela televisão, pelo rádio, pelo púlpito (vários cultos por dia), pelos jornais e revistas (um deles tem tiragem superior a 2.300.000 exemplares) está minando o povo de Deus. Há poucos dias, uma editora colocou outdoors em lugares estratégicos anunciando uma nova Bíblia de estudo com ênfase na vitória financeira. Estamos embriagados, mas certamente não é do Espírito Santo, como aconteceu com os primeiros cristãos (At 2.13), e sim pelo crescimento numérico e, em alguns casos, pelas sacolas e gazofilácios cheios de dinheiro.
Como se pode ver, a virgem brasileira não vai bem e há pouca beleza nela para ser admirada. Crescemos muito e depressa, mas “temos dois quilômetros de extensão e dois centímetros de profundidade”, como afirmou Josué Campanhã, diretor da SEPAL Brasil, no encontro da organização realizado em Águas de Lindóia de 7 a 11 de maio de 2007.
Se nós não intensificarmos a evangelização, como a Igreja Católica decidiu fazer agora em maio, “o crescimento nos asfixiará e nos tornaremos uma segunda força religiosa oficial, grande, mas irrelevante, como aquela que já temos há 500 anos”.
Fonte: Elnet