O drama dos cristãos afegãos, que são uma minoria habituada com a perseguição, aumentou com o retorno do Talibã ao poder após o presidente Joe Biden determinar a retirada das tropas dos Estados Unidos do país.
Os extremistas muçulmanos conseguiram o reconhecimento da China para o novo governo, e ao mesmo tempo, analistas da geopolítica da região dizem que é improvável que o Talibã adote posicionamento moderado.
A entidade de monitoramento da perseguição religiosa a cristãos International Christian Concern (ICC), publicou um relato de um líder de uma igreja local em que o cenário é visto com extremo pessimismo pelos cristãos afegãos.
“O Talibã chega na área da mesquita, pergunta quantos membros da casa fazem parte disso e eles pegam o nome de todas as pessoas que moram lá. […] Definitivamente, eles vão matar alguns dos cristãos que são conhecidos e, dessa forma, querem espalhar o medo de que não tolerarão nada contra isso”, declarou o líder cristão, que teve sua identidade preservada por questões de segurança.
O Talibã, “provavelmente”, também tirará crianças de famílias cristãs e as transformará em escravas sexuais e combatentes islâmicos: “Definitivamente para os cristãos, é apenas uma coisa óbvia que eles levarão todos os seus filhos”, declarou.
“[Eles] terão que passar por um retreinamento desse sistema e se casar com o Talibã. E para os meninos, eles têm que ser reeducados nas madrassas [escolas] e definitivamente serão treinados como soldados à força”, acrescentou o líder cristão, de acordo com a emissora CBN News.
Portas Abertas
A entidade missionária Portas Abertas classifica o Afeganistão como o segundo país da Lista Mundial da Perseguição 2021, em um total de 50.
A situação de hostilidade enfrentada pelos cristãos afegãos é tão extrema que o país quase empatou com a Coreia do Norte no quesito perseguição e violência contra os seguidores de Jesus.
“Um Estado islâmico por constituição, o país não permite nenhuma outra fé além do islamismo. É impossível viver abertamente como cristão no Afeganistão. Os cristãos convertidos enfrentam sérias consequências caso a nova fé seja descoberta. É preciso fugir do país ou enfrentar a morte, geralmente pela família. Afinal, se a família, o clã ou a tribo descobre que um dos membros se converteu, deve salvar a ‘honra’ renegando o cristão ou até mesmo o matando”, contextualizou a entidade.
Geopolítica
A porta-voz da diplomacia chinesa, Hua Chunying, deu sinais de que Pequim reconhecerá formalmente o governo islâmico ao dizer que o povo afegão tem o direito de decidir seu próprio destino e que a China pretende manter a embaixada em Cabul funcionando normalmente como sinal de intenção de cooperação.
O pesquisador Fernando Luz Brancoli, professor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concedeu entrevista à Agência Brasil e afirmou que esse aceno da China ajuda a consolidar o Talibã.
“O grupo que foi derrubado pelos Estados Unidos há 20 anos está agora virando governo e, inclusive, sendo reconhecido por alguns países, como é o caso da China. Durante muito tempo, nas discussões sobre a geopolítica da região, se debatia o papel dos Estados Unidos, da Rússia, da Inglaterra. Pela primeira vez, precisamos entender qual será o papel chinês e qual vai ser a política chinesa para a região. Já está claro que os chineses vão negociar com os talibãs”, avaliou.
Já o cientista político João Paulo Nicolini Gabriel, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as mudanças na região causarão grande impacto na política externa de muitos países: “Devido à sua localização, é um país que ocupa espaço extremamente importante no cenário asiático”, introduziu.
“A Ásia Central sempre foi muito importante. Agora precisamos olhar como os Estados Unidos, a China e Rússia vão lidar com o Afeganistão. São países que desempenham papel central. Mas um ponto pouco falado envolve os papéis do Paquistão e da Índia, que são essenciais, porque têm grande influência na região. Pode haver fricções e realinhamentos diplomáticos”, concluiu Nicolini Gabriel.