As chamadas fake news se tornaram alvo de uma verdadeira “caça às bruxas” desde que as redes sociais se tornaram difusoras de informações duvidáveis. O tema chegou a uma reportagem de capa da revista Época, que listou uma série de sites que, supostamente, divulgariam notícias falsas e apontou o cristão Gospel Prime como o principal dessa lista.
De um lado, a mídia alternativa – formada em grande parte por páginas e sites que exploram os pontos de vista omitidos pela grande mídia – e do outro, os veículos tradicionais, vêm explorando as questões em torno das fake news. Desde a campanha eleitoral que elegeu Donald Trump presidente dos Estados Unidos – quando ele mostrou que veículos como a CNN difundiam informações falsas – o assunto não sai de pauta.
Agora, a revista Época enumerou uma lista com dez sites que seriam divulgadores de fake news e os elencou a partir da quantidade de acessos, apontando o Gospel Prime em primeiro lugar, graças aos 2,8 milhões de visitas que recebe, em média.
A reportagem da revista do Grupo Globo começa apontando uma cobertura do site sobre o envio de verba do Brasil para a reforma da Basílica da Natividade, um templo em Belém, na Palestina, construído onde acredita-se ser o local do nascimento de Jesus e gerenciado por três tradições cristãs: a Igreja Ortodoxa Oriental, a Igreja Armênia e a ordem dos monges franciscanos.
Numa série de quatro matérias que o Gospel Prime publicou sobre o assunto, a Época destacou uma em que o site reproduz uma fala do pastor e deputado federal Hidekazu Takayama (PSC-PR), presidente da Frente Parlamentar Evangélica na Câmara dos Deputados: “O Brasil deve quase 4 trilhões de reais, como vai doar? É querer fazer cortesia com o chapéu alheio. A questão é que existem inúmeras notícias de que a Palestina usa doações para financiar terrorismo”, questionou o parlamentar à ocasião.
Segundo a revista, o Prime teria publicado uma fake news no meio de sua cobertura sobre o tema: “De acordo com a denúncia do site, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente Michel Temer estavam tentando desviar dinheiro de uma obra, por meio de uma Medida Provisória de ocasião, para financiar terroristas palestinos”, acusa a Época.
“O Ministério das Relações Exteriores publicou uma nota desmentindo a informação, mas o Gospel Prime manteve a postagem no ar. Incluiu o comunicado no pé da página e insistiu no texto original mentiroso, sem errata ou pedido de desculpas. Procurado, Takayama não quis se pronunciar sobre o caso”, acrescenta a matéria.
Incógnitas
A matéria sobre as fake news é assinada pela jornalista Helena Borges, que apontou contradições entre a postura apresentada pelo empresário David Gregório, proprietário do Gospel Prime, e a prática.
“Telefonei para Gregório e disse estar fazendo uma pesquisa acadêmica sobre sites de mídia alternativa. Sem muito perguntar, ele passou a dar detalhes de seu negócio. Confirmou trabalhar de casa e afirmou ter abandonado o emprego como gerente de posto de gasolina há seis anos, quando o site, criado em 2008, começou a render R$ 300 por mês”, contextualiza Borges.
Segundo a jornalista, Gregório teria negado envolvimento ou troca de favores com políticos evangélicos para a divulgação de informações que os privilegiasse: “Perguntei se parlamentares já ofereceram dinheiro para que reportagens a seu favor fossem publicadas. Ele fez uma longa pausa e retomou: ‘Olha, sempre tem, mas não é interessante para nós’. Finalizou a conversa sem dar mais detalhes e afirmou que ‘tenta’ não se envolver financeiramente com políticos”, relata a Helena Borges.
A matéria, no entanto, aponta que houve repasse de dinheiro público por políticos evangélicos através de verbas parlamentares: “Seis notas fiscais emitidas pelos gabinetes dos deputados Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) e Geovania de Sá (PSDB-SC), ambos da bancada evangélica, mostram que os parlamentares usaram dinheiro da cota parlamentar para pagar por textos publicados no Gospel Prime entre 2015 e 2016. Cada um custou R$ 250. Os conteúdos eram elogiosos ou visavam repercutir falas polêmicas dos congressistas. ‘Sóstenes Cavalcante é o deputado mais atuante do RJ’ foi publicada em julho de 2015. ‘Bolsa Família não deveria tornar beneficiários dependentes, diz Geovania de Sá’ é de abril de 2016″.
Fake News
Gregório estabeleceu uma questão na entrevista concedida a Helena Borges que foi pouco desenvolvida pela jornalista: o que é informação falsa e o que é um ponto de vista diferenciado do abordado pela grande mídia.
“Tudo que eu publico, se tiver minha cosmovisão, se tiver meu modo de olhar esse mundo, desse fato, pode ser chamado de fake news, porque não está na mídia mainstream”, disse o empresário, formado em publicidade. “Sabemos que algumas coisas que a gente publica também podem causar estranhamento, mas é porque a gente está vendo um ponto que a grande mídia não olha”, enfatizou.
Há um debate na sociedade sobre o viés de esquerda adotado por inúmeros portais de internet renomados, os integrantes da grande mídia – ou mainstream, como se refere Gregório em sua fala. Páginas como o Caneta Desesquerdizadora, Socialista de iPhone e até o Movimento Brasil Livre (MBL) – outro acusado de se valer de páginas de notícias fake news – frequentemente apontam distorções da realidade no texto jornalístico de portais como G1 (Grupo Globo, assim como a Época), Uol (pertencente ao Grupo Folha), Estadão e outros.
Em um editorial publicado na última sexta, 21 de abril, o Gospel Prime rebateu o que chamou de “ataques” feitos pela revista do Grupo Globo: “Todas as nossas reportagens são transparentes e informam a fonte das informações apresentadas. Sobre as acusações em questão na matéria, esclarecemos que não afirmamos em momento algum, em nenhuma de nossas reportagens, que a verba da Medida Provisória destinada para a reforma da Basílica de Natividade seria para financiar terrorismo. Informamos na ocasião que o recurso seria destinado à Autoridade Palestina”.
Segundo os editores do site, quem produziu uma fake news foi a revista: “Jamais informamos que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente Michel Temer estariam desviando dinheiro que seria destinado às reformas”, argumenta o texto.
O Gospel Prime afirma que a “autora da reportagem de Época que fez uma interpretação delirante da notícia” e relacionou a opinião de colunistas do site como se fossem uma publicação com a manifestação da equipe de jornalismo. A reação, de acordo com os editores do noticioso cristão, será uma ação na Justiça contra a revista.
Interesses
“Estamos em ano eleitoral e fica evidente que o objetivo da grande mídia é evitar o crescimento dos conservadores e quem dá voz a eles”, diz o editorial.
Na matéria, a Época cita outros nove portais que seriam divulgadores de fake news, incluindo o Falando Verdades, que adota um viés de esquerda e também foi acusado de publicar mentiras por conta de uma matéria que também foi veiculada pelo SBT.
“Tal matéria demonstra o desespero da mídia dita ‘tradicional” na medida em que o Falando Verdades e outros meios de comunicação alternativa conseguem com freqüência furar a bolha ideológica e questionar para o grosso da sociedade A parcialidade da mídia comercial, que vem sendo inclusive motivo de seu fracasso dentre os que buscam informação e não é a toa que já se anuncia por exemplo o fim da edição impressa da própria Época”, defende-se o site.
No entanto, o questionamento levantado por Gregório no que se refere à reportagem da revista encontra evidências, já que o Diário Nacional, usado pelo MBL para difundir notícias com viés anti-esquerda, também surge na lista, acompanhado do espalhafatoso Imprensa Viva, o conservador Diário do Poder e o Folha Política, todos dedicados a denunciar os desmandos de corrupção no governo, com uma abordagem contundente.
“Também combatemos e por várias vezes denunciamos as ‘fake news’ que se multiplicam no Brasil, inclusive no segmento gospel. Toda a equipe do site é cristã e tem compromisso com a verdade. Entre as milhares de matérias que já colocamos no ar, a Época foi capaz de encontrar apenas uma que não se encaixa no seu padrão e faz uma generalização absurda”, finaliza o editorial.
Resgate do jornalismo
O jornalismo anda sob suspeita, não importam as linhas editoriais dos veículos que se dedicam a informar. Há a necessidade de se denunciar toda e qualquer postura duvidosa e, por outro lado, proteger a liberdade de imprensa.
Há alguns anos, o ex-presidente Lula (PT) não disfarçava sua vontade de impor um controle de mídia, sob a alegação de combater as fake news, mas com interesse de criar uma hegemonia de narrativa. Como polêmico o pastor Silas Malafaia já afirmou reiteradas vezes em vídeos e entrevistas, não existe democracia sem imprensa livre.
Grandes grupos de comunicação têm se dedicado a impor uma linha editorial que floreie a visão de mundo de seus proprietários e editores, esquecendo de olhar para a notícia como ela é e como impacta a vida de quem recebe a informação. E isso é o que tem levado milhões de leitores, ouvintes e telespectadores a considerar que o jornalismo está morto.
Há, dessa forma, a necessidade de se combater quem faz publicações com o mero interesse de ganhar acessos. Manchetes chamativas não são sinônimo de fake news. É uma ferramenta usada por diversos veículos, incluindo jornais sérios ao redor do mundo. É símbolo de compromisso com a “tradução” na prática do que a notícia significa. No entanto, manchetes desonestas, em geral, são sinal de inverdades. E é esse tipo de empreitada que deve ser combatida a todo custo, para que a credibilidade do jornalismo seja resgatada.
No meio cristão há, infelizmente, muitos portais dedicados a espalhar mentiras e fofocas, com abordagens pouco sérias e geralmente compromissadas apenas com a remuneração pelos acessos recebidos. E, embora a matéria da revista Época possa estar permeada de segundas intenções – como por exemplo a clara tentativa da grande mídia de se manter relevante e recuperar audiência – há uma importante lição a se tirar: é preciso combater a desonestidade intelectual no nosso meio, para que nosso papel, enquanto servos de Deus, possa ser feito de forma íntegra: ser sal da terra e luz do mundo (Mateus 5:13).