Em votação que se estendeu por quase onze horas, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou a concessão de um habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula (PT), condenado a 12 anos e 1 mês de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva. A reação do Partido dos Trabalhadores, no entanto, foi entrar com uma representação contra o procurador Deltan Dallagnol, evangélico, por conta de sua afirmação que ficaria em jejum e oração para que o STF não acatasse o pedido da defesa do ex-presidente.
Os deputados Paulo Pimenta (PT-RS) e Wadih Damous (PT-RJ) entraram com uma representação junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) acusando Dallagnol de “infringir o Código de Ética” ao publicar um tweet dizendo que se dedicaria ao jejum e oração para que o STF não revogasse a jurisprudência que permitiu a prisão de condenados em segunda instância, pois isso resultaria na soltura de diversos presos da Operação Lava-Jato.
Os deputados petistas acusaram Deltan Dallagnol – que é o coordenador do Ministério Público na força-tarefa da Lava-Jato – de “fazer proselitismo político religioso nas redes sociais”, o que configuraria infração do artigo do Código que versa sobre “imparcialidade no desempenho de funções”, segundo informações do jornal O Globo.
O uso de seu perfil pessoal nas redes sociais para expressar um sentimento e uma iniciativa no âmbito privado levou Deltan Dallagnol a receber críticas de diversos políticos de esquerda, além de analistas políticos da imprensa, como a jornalista Vera Magalhães, que usou seu espaço na rádio Jovem Pan e seu perfil no Twitter para acusar o procurador de ferir o Estado laico.
E agora, Lula?
O ex-presidente agora pode ser preso pela condenação no caso do triplex do Guarujá (SP), em que foi sentenciado a 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Com a negativa do STF, por 6 votos a 5, em conceder um habeas corpus preventivo a Lula, o juiz Sergio Moro já pode emitir a ordem de encarceramento do político petista.
Cabe a Moro decidir se ordenará a prisão ainda hoje, ou se irá aguardar o julgamento do embargo do embargo, que pode ser apresentado pela defesa de Lula ao TRF-4. O prazo para que os advogados do ex-presidente tomem essa medida é a próxima segunda-feira, mas este tipo de medida raramente é aceita pelos desembargadores.
Essa medida seria simplesmente protelatória da expedição do mandado de prisão. Lula ainda tem direito a outros recursos, mas terá que fazê-los já cumprindo sua pena. O primeiro deles seria um recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), para apontar detalhes do processo que supostamente violariam princípios como o da ampla defesa. No STJ, o ministro Félix Fischer, relator da Operação Lava-Jato, examinaria o eventual recurso, caso fosse protocolado.
No caso do eventual recurso apresentado ao STJ ser negado, a defesa poderia voltar a apelar para o Supremo Tribunal Federal, em busca de um novo recurso. Nessa esfera, há a possibilidade de a prisão de Lula ser revogada, caso duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) que já tramitam e tratam do tema de prisão após condenação em segunda instância, de forma genérica, sem abordar um caso específico, sejam votadas pelos ministros e a maioria decida pela anulação das prisões antes do “trânsito em julgado”, que significa o fim de todos os recursos.
“No STF, seguirá a pressão para que seja pautada as ações diretas de constitucionalidade que tratam da prisão em segunda instância de maneira abstrata e estabelecendo jurisprudência para todas as outras decisões. Como a ministra Rosa Weber indicou que seu voto poderia ser diferente se fosse analisada a situação de maneira ampla, a expectativa é de que consigam reverter o entendimento na Suprema Corte”, informou a jornalista Juliana Braga. “De toda maneira, a preocupação é em manter Lula o menor tempo possível na prisão”, acrescentou, pontuando a estratégia da defesa de forma a tentar viabilizar uma eventual candidatura.
“Lula e os petistas podem falar em injustiça até gastar todas as cordas vocais. Sua condenação, porém, foi unânime e com “provas fora de qualquer dúvida razoável”, como destacou o desembargador gaúcho Leandro Paulsen, do TRF-4. Recorreu em todas as instâncias e perdeu em todas. Como deixá-lo solto? Só se ele fosse um brasileiro acima das leis. O STF mostrou que não é”, comentou o jornalista Lauro Jardim, sobre a situação do ex-presidente.
Candidatura
Há brechas na lei que causam interpretações diversas. Pela Lei da Ficha Limpa, uma condenação de um órgão colegiado, como o TRF-4, torna o candidato inelegível. No entanto, ainda há recursos que podem permitir uma candidatura. Mesmo que a condenação seja mantida pelo TRF-4, o ex-presidente pode recorrer ao STJ e ao STF para tentar obter uma liminar e manter a candidatura.
Caso Lula vá por esse caminho, além de tumultuar o ambiente eleitoral do país, terá de contar com a interpretação do juiz que analisar o caso, que pode acolher seu recurso, ou negar. O prazo final para registro de candidaturas é 15 de agosto, e caso seja autorizado a se candidatar, a Lei Eleitoral diz que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é quem decidirá se sua candidatura é legal ou não.
Tamanho imbróglio jurídico poderia permitir que Lula seja candidato à presidência preso, e posteriormente, com o fim dos recursos da defesa do ex-presidente, ou uma decisão do TSE contra sua candidatura, ele seja substituído por outro integrante da coligação do PT, no prazo máximo do dia 17 de setembro. Caso a eventual impugnação saísse depois das eleições, e Lula fosse eleito, haveria um debate jurídico se ele poderia ou não assumir a Presidência da República.