Durante séculos, pessoas jogam pedras em um mausoléu ornamentado no vale de Kidron, em Jerusalém, por acreditarem que ele pertence a Absalon, filho do rei bíblico David. Porém, uma inscrição aponta que ele pode pertencer não a Absalon, mas a Zacarias, pai de João Batista.
O evangelho de São Lucas descreve Zacarias como um homem idoso da casta de sacerdotes de Abijah a quem um dia, enquanto queimava incenso no templo, um anjo anunciou que a mulher, Isabel –irmã de Maria, mãe de Jesus–, também de idade avançada, daria à luz um filho, são João Batista.
“As pedras desgastaram a superfície (do mausoléu), especialmente a inscrição”, disse o antropólogo Joe Zias. Segundo ele, a tumba não poderia pertencer a Absalom –príncipe israelita que se revoltou contra seu pai– porque ele morreu mil anos antes da construção do monumento.
Talhada em pedra calcária, a frase em grego foi quase apagada ao longo dos séculos e passava desapercebida, até que Zias viu a letra alfa em uma antiga fotografia em preto-e-branco da entrada da tumba.
A fotografia foi tirada há cerca de 30 anos. Desde então, o local, que fica entre a Cidade Velha de Jerusalém e o monte das Oliveiras, foi abandonado e atraiu traficantes e criminosos –um viciado chegou a transformar uma câmara em sua casa.
Jogo de luzes
Zias estudou a tumba por meses, até descobrir que a inscrição pode ser vista apenas durante o pôr-do-sol no verão –época em que a fotografia foi tirada– por uma combinação de luzes e sombras.
O antropólogo reuniu-se então com um dos maiores especialistas no mundo em escrita antiga, o padre Emile Puech, para decifrar o texto.
“Imaginei que o povo seria bilíngue. Talvez pensaram em aramaico e então traduziram para o grego”, disse Puech sobre a inscrição, que teria sido feita em torno do ano 350. Segundo ele, a frase diria: “Esse é o monumento funerário de Zacarias, mártir, padre muito piedoso, pai de João”.
Puech acredita que ela foi feita por monges cerca de uma década depois de o cristianismo se tornar a religião oficial do Império Romano. Nesse período, os cristão construíram monumentos em locais ligados a Jesus, como a Igreja do Santo Sepulcro, onde ele teria sido crucificado.
Apesar de ninguém ter certeza onde Zacarias foi enterrado, especialistas afirmam que os monumentos construídos nessa época costumam ser autênticos.
Agora, Zias e Puech tentam decifrar outra inscrição, encontrada na lateral da tumba. A única palavra que identificaram até agora é Simeão, que teria abençoado Jesus e o identificado como messias. A história é relatada no livro de são Lucas, no Novo Testamento.
Zias espera encontrar uma inscrição que liga Tiago, o Justo –quem seria irmão ou primo de Jesus– à tumba. Segundo a tradição cristão, ele foi enterrado com Simeão e Zacarias. “Há três nichos funerários, então tudo se encaixa”, afirma o antropólogo.
A descoberta foi publicada na edição de julho da revista francesa “Revue Biblique”. “Essa pode ser uma das mais descobertas mais fantásticas em décadas”, disse o arqueólogo James Strange, da Universidade do Sul da Flórida, especializado nos períodos Bizantino e Cristão.
Descrença
Além da desconfiança provocada nos cristão e nos israelitas, o estudo de Zias enfrenta o ceticismo da comunidade científica, especialmente após um ossário –anunciado como sendo de Tiago– revelar-se uma fraude.
A falsificação –que rendeu dinheiro para os envolvidos, os quais venderam a história para a mídia– tem dificultado o trabalho de Zias, que não consegue financiamento para finalizar sua pesquisa.
“A ironia é que esses caras surgiram com um ossário falsificado e ganham milhares de dólares”, critica. “Então nós aparecemos que algo autêntico, incontestável, e temos de nos ajoelhar para conseguir verba.”
Fonte: Folha