Ninguém na Arábia Saudita desconhece que Jesus, o Isa dos árabes, surge nos versículos do Alcorão como um dos profetas que antecedeu Maomé. Nem que nesse século VII que viu nascer o islão existiam em volta tanto de Meca como de Medina tribos de judeus e de cristãos. E que alguns destes viriam mesmo a converter-se à nova fé. Mas hoje, passados quase 1400 anos, é com verdadeiro espírito de missão que a diplomacia do Vaticano tenta, em delicadas negociações, convencer o reino governado pela família Saud a autorizar a construção de igrejas. O próprio Bento XVI teria feito o pedido ao Rei Abdallah em Novembro, quando o monarca visitou Roma e se tornou o primeiro soberano saudita a reunir-se com um papa.
Se no Líbano e no Egito são milhões os árabes que seguem ainda hoje o cristianismo, na Arábia Saudita – terra das duas cidades santas do islão – os devotos de Jesus são estrangeiros, imigrantes sobretudo da Índia e das Filipinas. Os católicos serão uns 900 mil, obrigados a praticar o culto às escondidas. O mesmo acontecia até há duas semanas no vizinho Qatar, mas a inauguração de uma igreja em Doha deixou os sauditas isolados na proibição das outras religiões, mesmo as “do Livro”, historicamente toleradas pelos muçulmanos.
Um dos argumentos fortes do Vaticano é que no Ocidente os muçulmanos desfrutam de liberdade de culto e existem hoje mesquitas em todas as capitais . Aliás, a maior mesquita da Europa foi construída em Roma, a uns meros três quilómetros da Basílica de São Pedro e com dinheiros sauditas. Mas mesmo a actual tolerância cristã (que não existiu noutras épocas, basta recordar o século XI e a primeira Cruzada na Terra Santa) tem, por vezes, os seus limites: nessa mesma Roma, capital da cristandade, a pressão popular travou no ano passado a construção de uma pequena mesquita junto a uma igreja católica.
No trono há três anos, Abdallah tem-se esforçado por modernizar o seu reino (depois de autorizar um hotel só para mulheres, permitir-lhes-á um dia conduzir?). E a sua visita em 2007 ao Vaticano foi um sinal de que não será impossível uma igreja na Arábia, ainda que sem cruzes no exterior, como acontece já com a de Nossa Senhora do Rosário de Doha. Mas para abrir-se ao mundo, Abdallah terá que enfrentar o rigor da doutrina wahabita oficial e a oposição dos extremistas islâmicos, que odeiam todos os infiéis, desde as tropas americanas que protegem os poços de petróleo até esses asiáticos que fazem os trabalhos que os sauditas recusam. E é uma oposição a ter em conta. Afinal não nasceu na Arábia Saudita esse Ussama Ben Laden que há dias ameaçou o Papa, chamando-o chefe dos Cruzados? E que certamente não apreciará Bento XVI ter baptizado na Páscoa um ex-muçulmano crítico do islão.
Fonte: Elnet