As mobilizações de setores evangélicos em marchas intituladas “pela família” ou “para Jesus” não são movimentos com apoio unânime no meio cristão, e causam polêmica por supostas motivações pessoais.
Recentemente, o reverendo presbiteriano Ageu Cirilo criticou a Marcha para Jesus em São Paulo, dizendo que o principal organizador, Estevam Hernandes, se “autodenomina apóstolo”, e que o evento não promove evangelismo, e sim, show. “A marcha tem caráter isolacionista, próprio de gueto, e não o que Cristo nos ensinou, a saber, envolvimento amplo na sociedade, como sal e luz (Mt 5.13-16), com irrepreensível testemunho cristão”, escreveu no jornal Brasil Presbiteriano.
Já o reverendo Hermes C. Fernandes voltou suas baterias à Marcha pela Família e Liberdade de Expressão, promovida em Brasília pelo pastor Silas Malafaia, no último dia 05 de junho.
De acordo com Fernandes, há “hipocrisia” no meio evangélico, o que desqualificaria tais mobilizações. Em seu texto, um diálogo ficcional de Jesus e seus discípulos sugere que os temas usados para promover tais eventos se pautam em interesses pessoais. Confira:
Chegou, finalmente, o dia em que Jesus colocaria suas manguinhas de fora. Os discípulos já divulgaram por toda a Judeia que aquele dia seria um divisor de águas. O lugar marcado para o encontro seria em frente ao templo. De lá eles sairiam numa marcha pela família, pela liberdade expressão e pela vida até o pátio do palácio de Herodes.
Placas foram confeccionadas com dizeres do tipo “Abaixo as prostitutas!”, “Eunucos vão torrar no mármore do inferno!”, “Publicanos são uns traidores!”, “Os bacanais romanos tem que acabar!”.
Pedro, um dos militantes mais engajados, dirige-se a Jesus, dizendo: – Hoje eles verão com quem estão lidando, mestre. Chega de subserviência.
João corrobora: – Nossa manifestação será a maior desde da entrada triunfal de César em Roma.
Tiago apimenta: – Não podemos perder para as procissões saturnais!
Jesus parece assentir com o entusiasmo de seus discípulos.
– Que tal se a gente aproveitar para fazer algumas reivindicações? – sugere Mateus.
– Precisamos de um quartel general aqui em Jerusalém! – declara Filipe.
– Vamos tomar o templo! Aqueles sacerdotes velhotes já estão ultrapassados – diz Judas.
– Calma, rapazes. Isso é só o começo. O próximo passo será tomar o poder – diz Jesus. – Afinal de contas, o Pai me enviou para ser cabeça, não cauda. Nasci para ser servido!
– A propósito, Senhor, quando faremos uma marcha contra o divórcio? Já que defendemos a família, o Senhor não acha que o divórcio é tão nocivo quanto a prostituição e o homossexualismo?
– Sem dúvida! Será nossa próxima agenda.
– Só tem um probleminha, Senhor. Alguns dos seus mais achegados discípulos são divorciados.
– Então, vamos colocar um pano quente nisso.
– E que tal uma marcha contra os filhos rebeldes? Nunca mais vimos um sendo executado à pedrada na porta da cidade como ordena a Lei. A coisa está ficando muito relaxada, Senhor. Temos que tomar providência e exigir que a Lei seja aplicada.
– Não esqueçam da marcha contra o adultério e contra o troca-troca de esposas que tem acontecido com tanta frequência entre os sacerdotes.
– Epa! Mas assim a gente acaba dando um tiro no pé! Tem tantos adúlteros entre nós, quanto entre os sacerdotes do templo.
– É… É melhor a gente focar os eunucos e as prostitutas. Elas são as bolas da vez. Pelo menos, enquanto nenhum dos discípulos resolve sair do armário ou nenhuma das ex-prostitutas resolve ter uma recaída.
– Já que o assunto é família, por que não promovemos manifestações contra a pedofilia? As crianças são as maiores vítimas, e não são delas o reino de Deus?
– Mas assim, a gente vai colocar azeitona na empada dos outros. Já tem quem defenda as crianças. Foco, gente!
– E que tal uma marcha contra a corrupção, a injustiça e a miséria? – sugere um discípulo anônimo.
– Abafa! – dizem todos em uníssono.
– É melhor a gente dar marcha-ré!
Já a blogueira Vera Siqueira, esposa do pastor Paulo Siqueira (líder do Movimento pela Ética Evangélica Brasileira) questiona se a postura atual dessas igrejas segue estritamente as recomendações bíblicas.
“Cada vez com maior intensidade vemos as igrejas evangélicas se mostrando ao mundo que diz querer resgatar, através principalmente das marchas, mas também pela atuação de lideranças gospel que se utilizam dos meios de mídia para reforçar sua imagem junto à população (gospel ou não). Mas é assim que Deus deseja que Sua Igreja se mostre ao mundo?”, questiona.
Citando a passagem bíblica do evangelho de Mateus 5: 13-16, Vera diz que os eventos mostram “olhares de ódio, repulsa, desagrado, insatisfação, e às vezes até atitudes violentas” por parte dos participantes que se deparam com protestos, como os promovidos pelo MEEB.
“Jesus nos colocou dois mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas, e amar ao próximo como a nós mesmos. Nos dois mandamentos a ordem é: amar. Nas Marchas para Jesus, na ‘manifestação política-pacífica’ que o Malafaia articulou hoje [05 de junho] em Brasília, qual a expressão do amor cristão?”, questiona.
Confira a íntegra do artigo “Marchas para Jesus, manifestações políticas-pacíficas… Estamos sendo sal e luz?”, de Vera Siqueira:
“Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte; nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão na casa. Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.” – Mateus 5:13-16
No dia 25 de maio último estivemos na Marcha para Jesus no Rio de Janeiro. No feriado católico de Corpus Christ estivemos em Guaxupé (MG), na Marcha para Jesus daquela cidade. Dia 1o. de junho houve a Marcha para Jesus em Fortaleza e em Manaus. Hoje houve, em Brasília, a “Manifestação pacífica em favor da liberdade religiosa, liberdade de expressão e pela família tradicional”. E nas próximas semanas haverá mais e mais Marchas para Jesus em diversas cidades do país.
Cada vez com maior intensidade vemos as igrejas evangélicas se mostrando ao mundo que diz querer resgatar, através principalmente das marchas, mas também pela atuação de lideranças gospel que se utilizam dos meios de mídia para reforçar sua imagem junto à população (gospel ou não).
Mas é assim que Deus deseja que Sua Igreja se mostre ao mundo?
“Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.”
Visitamos Marchas para Jesus desde 2009, e de lá para cá nada mudou (exceto pela inclusão de um ritmo novo para o deleite dos fiéis e suas “danças proféticas”: o funk gospel). Não importa a cidade, não importa o Estado da nação, não importa se há uma multidão incontável como em São Paulo anos atrás (pois no ano passado a Marcha teve um público bem diminuído), ou se poucas pessoas como em Guaxupé (MG) ou em Santo André (SP). A realidade é sempre a mesma:
– trios-elétricos ou coisas parecidas repletas das autoridades eclesiásticas gospel da cidade e os políticos em evidência da região;
– músicas bem dançantes, para animar a multidão, e palavras de ordem, de vitória;
– orações “fortes”, com quebras de maldição sobre a cidade, declarações de que a cidade é do Senhor Jesus, blábláblá, porém os anos passam e não há mudanças para melhor (obedecendo assim, ao que está profetizado na Bíblia, de que as coisas só tendem a piorar até a volta de Cristo, e contrariando os profetas do rei, que profetizam aquilo que todos querem ouvir: prosperidade, vitória, vida boa, etc);
– discursos das autoridades eclesiásticas e, claro, dos políticos convidados (as eleições estão sempre chegando, e a propósito no ano que vem elas estão aí de novo, e é preciso preparar o rebanho gospel para “bem votar” nos candidatos que prometem ajudar as igrejas evangélicas);
Mas o mais triste vem agora:
– olhares de ódio, repulsa, desagrado, insatisfação, e às vezes até atitudes violentas (agressões verbais e físicas) ao se vislumbrar faixas com textos como Amós 5.23, 2 Pedro 2.3, 1 Timóteo 6.10, textos estes retirados da mesma Bíblia que dizem obedecer, por ser a Palavra de Deus.
Se a multidão e as lideranças que as incitam não reconhecem como sendo bíblicos alguns versículos (será por nunca fazerem parte de suas pregações?), como podem dizer que conhecem a vontade de Deus e Sua Palavra?
Como cumprir a vontade de Deus sem conhecê-la? É possível ser cristão sem seguir a Cristo?
Jesus nos colocou dois mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas, e amar ao próximo como a nós mesmos. Nos dois mandamentos a ordem é: amar.
Nas Marchas para Jesus, na “manifestação política-pacífica” que o Malafaia articulou hoje em Brasília, QUAL A EXPRESSÃO DO AMOR CRISTÃO?
“O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. 1 Coríntios 13:4-7
Do alto dos trios-elétricos ou palcos montados vemos líderes gospel cheios de soberba, buscando seus próprios interesses. Não vemos atos contra a injustiça, em favor dos humildes, em favor dos fracos, em favor dos marginalizados. Não vemos a multidão se juntando para visitar os doentes, dar comida aos famintos, vestir os nus. Não vemos expressões de amor, não vemos boas obras que possam surpreender os descrentes e fazê-los glorificar a Deus.
O que vemos é uma multidão que pula e gira e dança e canta e rebola e estremece pois acha que tudo isso é do agrado do Senhor, mas o que estão agradando mesmo são a carne e a alma.
Realmente fica claro que não conhecem a Bíblia. Não a conhecendo, têm todo o motivo para se escandalizar quando são confrontados com versículos que pregam o contrário daquilo que têm prazer em acreditar.
Mas afinal, qual a visão que o mundo tem da igreja após uma Marcha para Jesus ou uma “manifestação política-pacífica”? É a visão de pessoas repletas do amor de Deus? E por aí vai…
Mas será que o mundo teria a visão que tem das igrejas ditas evangélicas, se elas agissem diferente? Se, ao invés de Marchas, se mobilizassem para ajudar ao próximo? Se, ao invés de gritos de vitória pessoal, a multidão expressasse atos de amor?
O sal só melhora a comida porque sem ele a comida não tem sabor. A luz só resplandece nas trevas porque são diferentes.
Qual a diferença entre uma Marcha para Jesus e um bloco de carnaval (exceto pela quantidade de roupas e pela letra das músicas)?
Como podemos ser sal e luz, se temos o mesmo gosto e a mesma falta de luminosidade do mundo que nos cerca?
“Nisto são manifestos os filhos de Deus, e os filhos do diabo. Qualquer que não pratica a justiça, e não ama a seu irmão, não é de Deus. Porque esta é a mensagem que ouvistes desde o princípio: que nos amemos uns aos outros. Não como Caim, que era do maligno, e matou a seu irmão. E por que causa o matou? Porque as suas obras eram más e as de seu irmão justas. Meus irmãos, não vos maravilheis, se o mundo vos odeia. Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama a seu irmão permanece na morte. Qualquer que odeia a seu irmão é homicida. E vós sabeis que nenhum homicida tem a vida eterna permanecendo nele. Conhecemos o amor nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos irmãos. Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitado, lhe cerrar as suas entranhas, como estará nele o amor de Deus? Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade. E nisto conhecemos que somos da verdade, e diante dele asseguraremos nossos corações; sabendo que, se o nosso coração nos condena, maior é Deus do que o nosso coração, e conhece todas as coisas. Amados, se o nosso coração não nos condena, temos confiança para com Deus; e qualquer coisa que lhe pedirmos, dele a receberemos, porque guardamos os seus mandamentos, e fazemos o que é agradável à sua vista. E o seu mandamento é este: que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, segundo o seu mandamento. E aquele que guarda os seus mandamentos nele está, e ele nele. E nisto conhecemos que ele está em nós, pelo Espírito que nos tem dado.” – 1 João 3:10-24
Pensemos nisso. Os verdadeiros cristãos são reconhecidos pelo amor que têm uns pelos outros.
Voltemos ao Evangelho puro e simples,
O $how tem que parar!
Em tempo: o vídeo da Marcha para Jesus no Rio de Janeiro.
Por Tiago Chagas, para o Gospel+