Autoridades do Congo vêm alertando aos cidadãos que ouçam e cumpram as recomendações médicas para conter o surto de ebola no país. Muitos líderes religiosos neopentecostais têm desestimulado a procura pelos médicos, sugerindo a cura milagrosa através da oração como única forma de vencer a doença.
Antes que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarasse o surto de seis semanas em grande parte contido no final de junho, pacientes cristãos e líderes da igreja estavam entre as dezenas infectadas pela doença que mais violentamente irrompeu na África Ocidental entre 2013 e 2016, matando mais de 11 mil pessoas .
Dois pacientes com ebola morreram no mês passado depois de fugirem de uma enfermaria de isolamento hospitalar, para que pudessem ser levados para uma reunião de oração, onde expuseram até 50 outras pessoas ao vírus. Os esforços do hospital para conter a doença violenta não foram suficientes para evitar que dois pacientes infectados fossem fugissem do hospital para orar.
“A fuga foi organizada pelas famílias, com seis motocicletas, pois os pacientes estavam muito doentes e não podiam andar”, disse o Dr. Jean-Clement Carbol, coordenador médico de emergência da organização Médicos Sem Fronteiras, segundo informações da Agência Reuters.
“Eles foram levados para uma sala de oração com 50 pessoas para orar. Eles foram encontrados às duas da manhã, um deles morto e outro morrendo. Então são 50 a 60 contatos bem aqui”, acrescentou Carbol. Outro coordenador dos Médicos Sem Fronteiras, Henry Gray, disse que os pacientes saíram por conta própria, apesar dos apelos da equipe do hospital.
O vírus ebola
Um vírus brutal com uma taxa de mortalidade em torno de 50% (e às vezes muito maior, dependendo da cepa), o ebola foi registrado pela primeira vez na República Democrática do Congo, onde nove surtos ocorreram nos últimos 50 anos. A epidemia atual, que começou no início de maio, resultou em pelo menos 38 casos confirmados, 22 casos mais prováveis e dezenas de mortos.
No centro do surto ao longo do rio Congo, as escolas fecharam, uma equipe da organização sem fins lucrativos Oxfam lançou uma campanha maciça de informação pública, e uma onda de centenas de vacinações experimentais está em andamento.
A Mission Aviation Fellowship (MAF), no oeste do Congo, transportou pessoal médico e suprimentos, em parceria com o governo e organizações internacionais de saúde lutando para conter a doença.
No início de junho, a Igrejas Católicas no Congo suspendeu sacramentos como a confirmação e o batismo, bem como atividades como a unção dos doentes, a paz e outros contatos físicos na igreja.
Entretanto, nem todas as comunidades estão dispostas a ceder às recomendações e, como os dois pacientes de ebola que escaparam para orar, outros vão fugir dos profissionais de saúde para procurar profetas e guerreiros de oração.
“Algumas pessoas doentes acreditam que a epidemia de ebola vem da feitiçaria – elas se recusam a ser tratadas e preferem orar”, disse Julie Lobali, enfermeira de um hospital em Mbandaka, a cidade onde os dois pacientes morreram, segundo a Agência France Presse.
A espiritualização da doença levou as pessoas a curandeiros. A igreja moderna na África é às vezes vista como uma extensão dessa tradição. Como a promessa de cura milagrosa mistura-se com o ceticismo sobre os perigos e a necessidade de cautela em torno de doenças mortais, alguns cristãos recorrem ao tratamento baseado na fé em vez de cuidados médicos.
Um pastor evangélico também faleceu no mês passado depois de orar por alguém com ebola que o procurou por ajuda. Um padre católico infectado pela doença se recuperou e pôde retornar recentemente à sua paróquia na remota comunidade de Itipo.
“Algumas pessoas não acreditam no vírus ebola ou na medicação fornecida, outras têm medo”, disse Jose Barahona, diretor da Oxfam no Congo, segundo o portal Ekklesia.
Mortes
“Casos de pessoas deixando hospitais e recusando o atendimento foram relatados, o que poderia ter consequências dramáticas”, disse Barahona. “Existem também algumas práticas tradicionais relativas ao manuseio e enterramento de cadáveres que podem aumentar o risco de transmissão após a morte”, acrescentou.
Alguns autoproclamados profetas foram acusados de aconselhar pessoas que sofriam de doenças sérias para evitar hospitais ou parar de tomar remédios e buscar a cura de Deus, de acordo com a revista Christianity Today.
Um caso em 2011, quando pelo menos três pessoas com HIV morreram quando os seus pastores os instruíram a suspender os medicamentos anti-retrovirais para que o “poder da oração” pudesse curá-los, serve como ilustração.
TB Joshua, um pastor neopentecostal nigeriano da Igreja Sinagoga de Todas as Nações – que possui seguidores e igrejas em vários continentes e pastores dezenas de milhares de fiéis que frequentam seus cultos semanalmente – é um dos principais suspeitos de atrair pessoas para longe da medicina com promessas de milagres.
No entanto, quando perguntado pela BBC sobre alegações de que seus pastores poderiam curar doenças mortais, a denominação de Joshua disse: “Não pedimos às pessoas que parem de tomar remédios. Médicos tratam; Deus cura”.
Durante a maior epidemia de ebola já ocorrida nos últimos anos anos, as autoridades de saúde foram diretamente a Joshua para pedir que ele desencorajasse explicitamente os que sofrem da doença, pelo menos fora da Nigéria, a procurá-lo para se curar.
O pastor concordou, mas enviou milhares de garrafas de “água de unção” para Serra Leoa, dizendo que poderiam curar o ebola.
“Uma vez que a doença é espiritualizada, sua solução só pode vir de um homem ou mulher de Deus com o poder para lidar eficazmente com o mal”, analisou J. Kwabena Asamoah-Gyadu, professor do cristianismo africano em Gana.
Embora a cura pela fé seja praticada no Ocidente, ela é particularmente difundida na África. Pastores de lá às vezes batem de frente com profissionais de saúde com alegações de cura através da imposição das mãos, o que pode diminuir a importância de procurar atendimento médico.
Na Tanzânia, o Ministério da Saúde e Previdência Social teve que alertar os pacientes de Aids contra o abandono dos tratamentos prescritos pelo médico e se voltar exclusivamente para remédios fitoterápicos como a “cura milagrosa” do popular pastor Ambilikile Mwasapila.
Apesar das advertências oficiais, e mesmo quando evidências contraditórias surgem – como quando o filho do pastor Mwasapila morreu de um caso suspeito de malária e quando quatro ganenses foram mortos em um tumulto pela “água da unção” de TB Joshua – a busca por milagres e desprezo à medicina ainda é proeminente.
“Temos que convencer os aldeões que a doença não é uma maldição”, disse Bavon N’Sa Mputu, uma autoridade em Bikoro, a cidade onde se acredita que o atual surto de ebola no Congo tenha começado.
Mputu também repetiu o apelo do governo e das autoridades de saúde para que as igrejas desempenhem um papel no desencorajamento da superstição em torno das doenças e no incentivo a cuidados médicos apropriados.