SÃO PAULO – Pastores estão fazendo o balanço dos estragos que a prisão de Sonia e Estevam Hernandes, fundadores da Igreja Renascer em Cristo, causa à imagem dos evangélicos no País. Mesmo preocupados com o potencial do episódio para alimentar preconceitos, há quem perceba uma oportunidade para diferenciar gato de lebre ou, na linguagem bíblica, o joio do trigo.
“Para quem não conhece a imensa diversidade do meio evangélico, um escândalo desses acaba respingando em todo mundo”, avalia o pastor Ricardo Gondim, presidente da Assembléia de Deus Betesda, fundada em 1981 em Fortaleza (CE) e hoje com 83 congregações em todo o País. “Até porque são Igrejas como a Renascer que têm mídia, você vê a TV Gospel funcionando como se nada tivesse acontecido, numa atitude cínica, quase de desdém.”
Para Ricardo Agreste, pastor da Comunidade Presbiteriana Chácara Primavera, em Campinas, os prejuízos são pesados. “O caso Renascer fortalece a visão do público em geral de que pastores são indivíduos sem caráter que fazem uso da boa-fé e da ingenuidade das pessoas para construir impérios eclesiásticos e fortunas pessoais”, afirma.
Mesmo assim, alguns líderes celebram a situação como chance para se diferenciar do neopentecostalismo – caracterizado pela chamada Teologia da Prosperidade -, que há muito incomoda denominações protestantes históricas (como batistas, metodistas e presbiterianos) e Igrejas pentecostais tradicionais (como a Assembléia de Deus).
A Teologia da Prosperidade é uma doutrina que ganhou impulso no Brasil na década de 1990. Prega que os cristãos, por serem filhos de Deus, têm direito a bens materiais e que as Igrejas devem ocupar agressivamente espaços na mídia e na vida política para propagar o evangelho.
Numa paródia do que o sociólogo Max Weber definiu no início do século passado como a “ética protestante” – o trabalho duro e uma vida sem luxo nem lazer como marcas do fiel -, seu pressuposto é que a fé é demonstrada pela capacidade de consumo, saldo na conta bancária, número de carros importados na garagem e ausência de doenças.
“As pessoas talvez comecem a perceber que as premissas da Renascer e congêneres são falsas”, diz Gondim. “O caso coloca em xeque a Teologia da Prosperidade e mostra que só se mantém o discurso com artifícios ilegais.”
Para Mauro Pellegrini, pastor da Igreja Cristã da Trindade e pesquisador da Agência de Informações Religiosas (Agir), o preconceito é compreensível. “As pessoas são inteligentes, olham para a `igreja´ e percebem um negócio. Ora, uma empresa, antes de qualquer coisa, visa ao lucro.”
Perseguição
A reação de líderes da Renascer é invocar textos bíblicos que falam sobre perseguição. Um dos prediletos é um texto da segunda carta de Timóteo: “Todo aquele que quiser viver piedosamente em Cristo Jesus padecerá perseguições”.
Mas Ariovaldo Ramos, pastor da Comunidade Cristã Reformada e presidente da ONG Visão Mundial, faz questão de ressaltar que a Bíblia fala sim de perseguição, porém com ressalvas fundamentais: “Há um trecho de uma das cartas do apóstolo Pedro que diz assim: `Serão felizes se forem maltratados por seguirem a Cristo. Que ninguém tenha de ser castigado por matar, por ser ladrão, por difamar, ou por se meter na vida alheia. Mas se alguém sofre por ser cristão, não se envergonhe por isso´”.
Ex-presidente da Associação Evangélica Brasileira (AEvB), uma tentativa frustrada de representar o mosaico evangélico no País, Ramos lamenta a falta que faz uma “CNBB evangélica”: “Se a AEvB tivesse vingado, sem dúvida o divisor de águas seria nítido. A perseguição que a Bíblia reputa por honrosa é aquela que sofremos por crer em Cristo, por anunciar sua mensagem e por praticar o seu padrão de justiça”.
Gondim vai mais longe em sua tese de que os escândalos no meio evangélico podem ser profiláticos. “Jesus disse: `é mister que venham os escândalos´. Quando diz `é mister´, é porque é bom que venham, para que no refluxo a gente ponha o pé no chão e veja que esses grandes shows de milhares de convertidos são muita casca e pouco conteúdo.”
Transparência
Há também vozes na comunidade evangélica que recomendam o máximo de transparência para rebater a onda de más notícias que abala a credibilidade das Igrejas. “Esse momento em que suspeitas são levantadas é muito propício para que todas as Igrejas e organizações evangélicas venham a público e façam conhecidos seus números”, afirma Douglas Monaco, secretário-geral da ONG Portas Abertas, uma espécie de Anistia Internacional cristã dedicada a monitorar casos de perseguição religiosa em mais de 50 países.
Com sede na Holanda, a Portas Abertas está no País desde 1978, onde é mantida por 11.600 doadores. As contas da Portas Abertas são auditadas anualmente.
Carlos Alfredo de Souza, membro da Igreja Aliança Cristã e Missionária, em São Paulo, se diz pessimista quanto a essa conversão à transparência. Para ele, em geral os evangélicos estão mais interessados em “entregar o dízimo”, como um investimento que garante retorno divino, do que em como os recursos são aplicados. “Isso reflete como os brasileiros lidam com impostos, nós vemos os caras roubarem e não fazemos nada.”`
Fonte: Estadão