O Campeonato Paulista está em sua reta final, restando apenas a partida de volta das semifinais e os jogos da final. Até aqui, houve agradecimento a Deus em 29 comemorações dos 55 gols marcados pelos quatro semifinalistas ao longo da competição.
O time que mais ficou marcado pela referência à fé nas comemorações foi o Palmeiras: em 10 gols, de um total de 13, os jogadores fizeram gestos religiosos. No Santos, o número foi de 8 em 19 gols; no Corinthians, 4 em 10 gols; o São Paulo também teve 4 celebrações com gestos de fé, mas com um total de 13 gols anotados.
É comum que os gestos de fé ao celebrar gols receba críticas. O jornal Folha de S. Paulo ouviu o doutor em Ciência da Religião pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Clodoaldo Gonçalves Lemes, 44 anos, sobre o tema: “É algo extremamente contraditório, pois ganhar ou perder depende de inúmeras variáveis. Porém, no futebol, os jogadores agradecem as vitórias e, nas derrotas, acreditam que a crise foi enviada por Deus para que aprendam alguma lição”, comentou.
Ele é autor de uma tese, intitulada “É Gol! Deus é 10 — A religiosidade no futebol profissional paulista e a sociedade de risco”. Para formá-la, Lemes visitou cinco clubes paulistas (Corinthians, Palmeiras, Santos, São Caetano e São Paulo) em 2005, e concluiu que a religiosidade dos atletas está associada à condição de vulnerabilidade social.
“Um atleta pode virar milionário da noite para o dia. Por isso, eles são muito mais exigidos e carregam uma pressão enorme, de clubes, mídia e torcida. Muitas vezes, eles não têm estrutura suficiente para suportar as dificuldades, então procuram isso no apoio religioso e no apelo ao sobrenatural”, sugeriu.
Fé
César Sampaio, 51, ex-volante do Palmeiras, São Paulo e Seleção Brasileira, costumava comemorar os gols que marcava apontando para o céu. Um dos mais marcantes de sua carreira foi na vitória do Brasil por 2 a 1 sobre a Escócia, na estreia da Copa de 1998.
“Eu não fiz tantos gols assim”, brincou o ex-jogador. “Mas eu não pedia para Deus me ajudar a fazer os gols. Eu agradecia por estar com saúde, pensava nos meus familiares, que estavam orando por mim enquanto eu estava jogando, e por poder fazer o que eu mais gostava, que era jogar futebol”, explicou.
Nas equipes em que foi capitão, sempre que podia César Sampaio levava uma Bíblia aos jogos para entregar ao atleta que carregava a faixa no adversário. Atitude que hoje ele vê como um pouco de exagero: “Era Deus no céu e o pastor na terra. Reconheço que me deixei levar por um certo fanatismo. O meu modo de encarar a religião mudou muito e posso dizer que sou um evangélico mais consciente”.
Marcos Grava, 50, ex-jogador de handebol e presidente da associação Atletas de Cristo, formada por esportistas de várias denominações cristãs (com forte presença no futebol nos anos 1980 e 1990), também acha que há um certo exagero na forma como alguns atletas manifestam sua religiosidade: “Particularmente, acredito que fora do ambiente de jogo, as reações de um atleta maduro e conhecedor daquilo que afirma crer, seriam bem diferentes dos exageros que temos visto”, afirma o ex-atleta, em referência às polêmicas que alguns jogadores que se identificam como evangélicos se envolvem.
Para César Sampaio, há um certo planejamento da parte de alguns atletas: “Hoje tem marketing, redes sociais e outras tantas coisas que envolvem os jogadores. Então é muito fácil que pessoas com interesse comercial, até na religião, se aproximem deles para se promoverem”, afirmou, destacando que nem todas as manifestações religiosas dos atletas são feitas com o intuito de promoção pessoal.
Em meio a tudo isso, em 2010 a Fifa determinou uma proibição para manifestações de fé durante as partidas se elas representarem discriminação a outras religiões. “É algo extremamente delicado e precisa ser analisado caso a caso. Se for algo discreto, apenas como liberdade de expressão do atleta, como manifestação pessoal, sem ofender outra religião, a Fifa não vai punir”, pontuou o advogado Eduardo Carlezzo, 40, especialista em direito esportivo internacional. “Mas imagine que a partida é na Arábia Saudita, um país muçulmano, e os jogadores comemoram fazendo o sinal da cruz. A Fifa pode entender como uma ofensa e punir”, concluiu.