As pesquisas de intenção de voto para presidente vêm comprovando que o candidato Fernando Haddad (PT) tem baixa adesão entre os evangélicos, e muito disso se dá por conta de valores opostos entre a comunidade cristã e o plano de governo apresentado pelo Partido dos Trabalhadores. Numa tentativa de recuperar terreno nesse segmento da sociedade, o ex-prefeito paulistano pretende entregar uma carta desmentindo o documento que registrou no TSE. Haddad repete um movimento feito por Dilma Rousseff (PT) em 2010, às vésperas do segundo turno, quando a então candidata divulgou um documento dizendo-se pessoalmente contra o aborto e defendendo a "manutenção da legislação atual sobre o assunto". Segundo informações do jornal Folha de S. Paulo, à época, o pastor Silas Malafaia já denunciava a manobra, vista como um improviso. Agora, poucos dias após despertar a ira de parte da liderança evangélica brasileira, em especial as igrejas neopentecostais, Haddad tenta fazer esquecer o ataque gratuito a Edir Macedo no último dia 12 de outubro, quando o chamou de "charlatão" numa resposta a uma pergunta feita a ele sobre seu adversário, Jair Bolsonaro (PSL). A reação da Igreja Universal do Reino de Deus foi imediata e mobilizou mais de 140 lideranças de diversas denominações em um manifesto de repúdio. A carta Segundo informações do jornal O Globo, Haddad fará um evento para apresentar seu compromisso contra a mudança na atual legislação sobre aborto, incluindo a garantia de que não enviará nenhuma modificação no tema ao Congresso Nacional enquanto for presidente. O ponto mais chamativo desse movimento de campanha é o quanto essa afirmação contradiz o plano de governo que o próprio Haddad ajudou a construir para o então pré-candidato Lula (PT), e que posteriormente foi abraçado por ele próprio. Falando em "direitos sexuais e reprodutivos", o documento registrado no Tribunal Superior Eleitoral fala em se valer do "princípio constitucional da laicidade do Estado" para promover a questão do aborto - que no movimento feminista aliado ao PT é tratado como questão de saúde pública - para garantir à mulher "saúde integral [...] para o pleno exercício dos direitos sexuais e reprodutivos". Drogas A carta de Haddad se comprometendo com temas caros aos cristãos abrangerá, também, um compromisso contra a legalização das drogas. Novamente, o movimento contradiz as propostas assumidas no começo da campanha, uma vez que o plano de governo afirma que a “repressão às drogas é equivocada, injusta e ineficaz”, e que por isso, o “país precisa olhar atentamente para as experiências internacionais que já colhem resultado positivos com a descriminalização e a regulação do comércio”. "Nenhum dos nossos governos encaminhou ao Congresso leis inexistentes pelas quais nos atacam: a legalização do aborto, o kit gay, a taxação de templos, a proibição de culto público, a escolha de sexo pelas crianças e outras propostas, pelas quais nos acusam desde 1989, nunca foram efetivadas em tantos anos de governo. Também não constam de meu programa de governo", garantirá Haddad, num dos parágrafos da carta, novamente desmentindo as propostas registradas na Justiça Eleitoral. Em 2013, a então pré-candidata à reeleição, Dilma Rousseff, afirmou que "podemos fazer o diabo quando é hora de eleição". Nesse contexto, o candidato Haddad - que tem fama de ateu no meio político - vem evocando sua ascendência como neto de líder religioso da Igreja Ortodoxa, e até citará uma passagem bíblica no último parágrafo de sua "carta ao povo evangélico". "A Deus, clamo como o salmista: ´guia-me com a Tua verdade e ensina-me, pois Tu és Deus, meu Salvador, e a minha esperança está em Ti o tempo todo' (Salmos 25:5)”, diz o último parágrafo do documento, segundo O Globo. Reação O pastor Silas Malafaia se posicionou quanto ao anúncio da carta direcionada aos evangélicos, e numa publicação no Twitter, alertou aos fiéis que o seguem na rede social sobre a manobra política do Partido dos Trabalhadores. "Atenção! Já estou antecipando! Encontro que será promovido entre Haddad e lideranças evangélicas, pode anotar para comprovar! Os que estarão lá não representam nem 2% dos evangélicos. Grande parte de esquerdopatas gospel, sem nenhuma expressão, que ganharam grana com ONGs nos governos do PT", escreveu Malafaia. A referência do pastor aos evangélicos que aderem ao discurso progressista remonta a uma estratégia revelada por Gilberto Carvalho - um dos principais estrategistas do Partido dos Trabalhadores - em 2012, quando anunciou que o foco da legenda seria, a partir daquela ocasião, disputar a formação de opinião junto às classes sociais com as igrejas evangélicas, como forma de sacramentar a visão de esquerda no país e silenciar opositores ideológicos. ++ "PT quer ter sua própria 'igreja'", alerta jornalista Não por acaso, Carvalho é um dos coordenadores da campanha que tenta levar Fernando Haddad ao Palácio do Planalto entre 2019 e 2022. Ao jornal O Globo, Carvalho revelou que na reunião desta quarta-feira haverá representantes das igrejas Batista, Presbiteriana e Assembleia de Deus, mas nenhum liderança nacional. ATENÇÃO ! JÁ ESTOU ANTECIPANDO! Encontro q será promovido entre Haddad e lideranças evangélicas, PODE ANOTAR PARA COMPROVAR! Os q estarão lá não representam nem 2% dos evangélicos.Grande parte de esquerdopatas gospel, sem nenhuma expressão, q ganharam grana com ONGs nos gvs do PT — Silas Malafaia (@PastorMalafaia) 16 de outubro de 2018 Manuela D'Ávila O movimento de Haddad para tentar atrair o eleitorado evangélico, que em sua maioria rejeita sua candidatura (de acordo com a última pesquisa Ibope sobre a disputa presidencial, 76% dos evangélicos votará em Bolsonaro, comprovando uma previsão do pastor Silas Malafaia de que 80% desse segmento votaria no capitão do Exército), é mais um ponto de contrariedade para sua parceira de chapa, a deputada federal Manuela D'Ávila (PCdoB). No último domingo, 14 de outubro, ela disse porque aceitou abrir mão da garantia de que o governo petista trabalharia pela legalização do aborto e das drogas, com tributação no caso das substâncias narcóticas: "O programa de nossa coligação foi construído pelo conjunto dos partidos. Não apenas por mim", disse ao jornal O Globo. "As minhas opiniões são públicas e conhecidas pela população e foram sendo construídas ao longo de 14 anos de mandatos", reiterou, garantindo que mantém sua opinião a respeito do tema, não importando as manobras feitas pelo titular da chapa para tentar virar o jogo e vencer a eleição presidencial.