A convocação de algumas lideranças cristãs para que os fiéis saiam às ruas durante os protestos e engrossem o coro contra a corrupção e mazelas sociais tem se intensificado, apesar da postura conservadora de algumas igrejas.
Entretanto, a convocação sintetizada na hashtag #vemprarua tem sido bastante objetiva por parte de alguns dos mais ativos líderes evangélicos do Brasil. O pastor Guilherme de Carvalho, da Igreja Esperança, em Belo Horizonte, publicou um artigo em seu site no portal da revista Ultimato, convidando fiéis a se juntarem às manifestações.
“No princípio foi disso que a chamaram: ‘baderna!’ Foi assim que a ‘imprensa vendida’ descreveu o movimento […] Quanto crente estava lá, nas redes sociais, nos blogs, no Twitter, chamando todo mundo para descer pra rua? Desceu foi muita gente: abeuenses, Rede Fale, missões urbanas, a turma underground, membros da minha igreja, o líder do departamento de educação cristã, até a minha mulher queria descer, e não foi porque não podia mesmo. E tinha pastor também: batista, presbiteriano, pentecostal, e quem não foi ficou é orando pela manifestação, tentando entender o que se passava”, escreveu Carvalho, relatando a experiência de um dos protestos na capital mineira.
Em São Paulo, o deputado estadual Carlos Bezerra Jr. (PSDB), afirmou que a hora é de se manifestar e mostrar que a igreja de Cristo tem desejo de promover a justiça: “Que a igreja se mantenha mobilizada como foi em Brasília há poucos dias, e vá para as ruas nesses dias de junho. Que a igreja brasileira não se isole: igreja que não se mistura, fala sozinha. Ao invés de cair na graça, cai na desgraça do povo. Opor Igreja e sociedade só interessa a quem quer gado no curral. Igreja não é patrimônio político de ninguém. Não pertence a ninguém senão Jesus. É tempo de oração e de ação profética de denúncia da igreja evangélica, movida por fome e sede de justiça”, escreveu no Twitter.
Legitimidade
O pastor Levi Araújo, da Igreja Batista de Água Branca também usou o Twitter para convocar os fiéis: “Quem tem o outro como causa não precisa de novas causas. #ProtestantesSempreProtestando #VemPraRua”.
O pastor Ricardo Gondim, líder da Betesda e que esteve pessoalmente nos protestos do dia 18 de junho na Avenida Paulista, publicou um artigo listando as injustiças cometidas contra os menos favorecidos da sociedade, e frisou que é preciso continuar com as manifestações até que aconteçam mudanças.
“O leque de desmandos que precisam ser consertados é amplo. Diante de tamanha desarrumação, corre-se o risco de não chegar a lugar nenhum. A pressão popular, entretanto, deve continuar. O povo deve permanecer nas ruas. Chegou a hora de outros setores se envolverem. Partidos que mantém algum idealismo, pastores, teólogos e crentes progressistas das igrejas católica e protestante – e de outras religiões -, terceiro setor que amarga o dia a dia dos pobres e outros movimentos sociais devem se engajar. Nas ruas, os jovens gritaram: O gigante acordou, o gigante acordou. Resta provar que este refrão é verdadeiro. Continuemos”, incentivou Gondim.
Augustus Nicodemus Lopes, reverendo presbiteriano, publicou no Guia-me um texto em que abordou os protestos a partir do ponto de vista bíblico, e ressaltou que a Igreja de Cristo deve ir às ruas: “Por mais que as manifestações populares pareçam um poder independente e soberano estão, todavia, debaixo do governo divino. Através delas Deus realiza seu propósito maior, que é promover a sua glória e o bem do seu povo, ainda que, no momento, não percebamos de que forma estas coisas se materializam na história”.
“Vejo como legítima a participação dos cristãos em manifestações públicas que sejam ordeiras e pacificas, que não sejam tumultos e que tenham em mente o bem da sociedade e não somente os privilégios dos crentes e evangélicos. Não faz sentido as igrejas se organizarem em passeatas e manifestações e marchas para reivindicar privilégios para os crentes. Estas manifestações são civis, expressões sociais e não um culto”, pontuou o líder presbiteriano.
Motivação
O blogueiro e missionário Marcos Botelho publicou um diálogo fictício em que lista situações e motivos para se juntar aos protestos. Confira:
A pergunta que não quer se calar para os seguidores de Jesus Cristo: Jesus iria para as manifestações que aconteceram nos últimos dias no Brasil?
Fui lá perguntar para ele:
Eu – Oi mestre, tudo bem?
Jesus – Mais ou menos, Marcos, o Brasil muito antes das manifestações estava me deixando muito triste.
Eu – Por que dessa tristeza?
Jesus – Por vários motivos, tenho visto vários erros que já tinha falado para evitar como nação, mas que foram ignorados.
Eu – Dê alguns exemplos mestre.
Jesus – São vários, a injustiça aos desamparados que Isaías já tinha denunciado para Judá, um discurso desconexo com a prática, que meu irmão Tiago já tinha falado para tomar cuidado, a corrupção generalizada que o boiadeiro Amós profetizou , a promiscuidade do povo que Oseias sofreu na própria pele para o Brasil entender com clareza, o desprezo com o menor que eu mesmo falei pra nunca deixar acontecer, pois seria melhor amarrar uma pedra no pescoço e ser jogado ao mar.
Eu – E o que podemos fazer para mudar essa realidade?
Jesus – Primeiro, sonde a própria vida para ver se lá dentro a corrupção, a idolatria e o sentimento de levar vantagem a qualquer custo já não tomou conta da sua alma e já está nos seus pequenos atos. Pois, se você não consegue ser justo no pouco, é só questão de circunstancia para ser parte desse sistema corrupto.
Eu – E se fizermos isso, fazemos o que depois?
Jesus – Lute contra a injustiça, não se cale, fale por aqueles que não tem voz, faça isso na internet, na escola, na igreja e nas ruas. Mas faça sempre em amor, nunca use a violência, nunca!
Eu – Então o Senhor iria para as ruas protestar.
Jesus – Não, eu não iria nas manifestações!
Eu – Mas por quê?
Jesus – Ah meu jovem, eu vou subir o morro para amparar aqueles que não tem consciência nem para entender o que está acontecendo, vou encorajar o policial novato que está apavorado, mas que foi escalado para estar em um ponto crítico dos protestos. Vou ao hospital acudir a menina que tomou um tiro de bala de borracha no olho de um policial inconsequente. Eu vou ficar consolando a sua mãe, que vai ficar orando pela insegurança de um filho que saiu pra protestar sem ter certeza que vai voltar. Não vou pra manifestação para você poder ir!
Por Tiago Chagas, para o Gospel+