Dois manuscritos antigos do Evangelho de Marcos que datam do século IV d. C. não possuem relatos das falas de Jesus após a ressurreição, e a divergência com o texto padronizado usado na Bíblia Sagrada tem causado polêmicas.
O jornalista e pesquisador Reinaldo José Lopes, do jornal Folha de S. Paulo, publicou um artigo comentando as diferenças entre o texto do Novo Testamento a que temos acesso hoje em dia, e aos manuscritos de séculos atrás que, por algum motivo, não apresentam as falas de Jesus ressuscitado.
“Existe, de fato, bastante variação nos manuscritos antigos do Novo Testamento bíblico. Hoje, essas variantes estão na casa das centenas de milhares, nas contas dos especialistas. A imensa maioria delas não é significativa: assim como as pessoas de hoje, os copistas do Novo Testamento também cometiam erros de ortografia, comiam palavras, pulavam de uma linha para outra na hora de copiar etc. Algumas alterações, no entanto, de fato são significativas: trechos grandes são incluídos e omitidos, alterando o sentido dos textos bíblicos”, comentou Lopes.
De acordo com as comparações feitas entre os manuscritos chamados de Códex Vaticano e Códex Sinaítico, as falas de Jesus aos seus discípulos no dia em que ascendeu aos céus não aparecem. Porém, não desmentem a ressurreição de Jesus.
“Eles terminam da seguinte maneira: as mulheres que vão ao túmulo de Jesus para ungir seu corpo encontram um jovem vestido de branco (talvez um anjo), que diz que Jesus ressuscitou e está esperando os apóstolos na Galileia. ‘Elas saíram e fugiram do túmulo, pois um temor e um estupor se apossaram delas. E nada contaram a ninguém, pois tinham medo.’ É o trecho que hoje corresponde a Marcos 16, 1-8. Note que em nenhum momento o texto diz que Jesus não ressuscitou — o que ocorre é que Jesus ressuscitado não aparece nesse trecho”, escreveu o pesquisador.
As diferenças entre os manuscritos antigos que não trazem as falas de Jesus ressuscitado e os que mostram Jesus em contato com os discípulos se dão entre os versículos 9 a 20, em que Marcos supostamente relata “tanto as aparições de Jesus a Maria Madalena e a seus discípulos como a ordem por parte dele para pregar o Evangelho pelo mundo e sua ascensão aos céus”, especula Lopes.
“O curioso é que outros manuscritos registram ‘versões estendidas’ diferentes. Uma delas é bem mais curtinha e diz o seguinte: ‘Elas [as mulheres] narraram brevemente aos companheiros de Pedro o que lhes tinha sido anunciado. Depois, o mesmo Jesus os encarregou de levar, do Oriente ao Ocidente, a sagrada e incorruptível mensagem da salvação eterna’”, comparou.
As hipóteses para essas diferenças são várias, e incluem a possibilidade de Marcos ter deixado de fora o relato dos dias após a ressurreição de forma proposital, e posteriormente, cristãos do primeiro século terem adicionado o texto que culmina com o “Ide”, pois textos cristãos escritos a partir do ano 160 d. C. (cerca de um século depois que Marcos concluiu seu evangelho) também já trazem o relato da aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos.
Lopes conclui acrescentando que outras possibilidades para o fato são consideradas: “Marcos morreu antes de terminar o texto e cristãos posteriores acharam necessário acertar o final”, pontuou o pesquisador, descrevendo outra possibilidade: “Ele chegou a escrever seu próprio final, mas por algum motivo esse pedaço do manuscrito original se perdeu”, concluiu, levantando assim, a hipótese de que outros cristãos que conheciam o final resolveram adicionar o trecho.