A mobilização da classe artística de alta visibilidade do país contra o governo Bolsonaro e sua pauta conservadora levou a renomada atriz Fernanda Montenegro a fazer uma provocação com ares de confissão: “Nós, artistas, somos o instrumento do demônio”.
A declaração de Fernanda Montenegro – que acaba de lançar sua autobiografia, intitulada Prólogo, Ato, Epílogo, distribuída pela Companhia das Letras – foi dada ao Estadão Conteúdo.
Em seu livro, Fernanda Montenegro, 89 anos, fala sobre sua carreira com 70 anos de experiência, trabalhos e prêmios no teatro, TV e cinema, além de compartilhar parte de sua vida pessoal.
Questionada sobre o momento atual da política nacional, a atriz não titubeou ao criticar a postura do governo liderado pelo presidente Jair Bolsonaro, que extinguiu o Ministério da Cultura, fez ajustes na Agência Nacional do Cinema (Ancine) – órgão realocado no Ministério da Cidadania – e também vem defendendo mudanças na Lei Rouanet, que permite a empresas abaterem impostos em troca de financiamento de projetos artísticos.
“Estamos nos transformando em um país conduzido por uma visão religiosa e quem não apoiar não terá nada. E a cultura tornou-se o primeiro item a ser revisto e, se possível, exterminada. A arte é demoníaca, e nós, artistas, somos o instrumento do demônio”, afirmou Fernanda Montenegro, expressando sua crítica ao corte de parte das verbas públicas para projetos de artistas que integram um grupo de “elite” do entretenimento nacional.
À TV Folha, Fernanda Montenegro seguiu a mesma linha, ironizando o estabelecimento de prioridades na destinação de recursos públicos a demandas populares, um compromisso assumido pelo presidente durante a campanha em 2018.
“Há tanta carência no país, no social, que perder tempo com imaginário criativo… Então, acho que nunca vivemos isso, não. Por que, agora, além de tudo, ainda há uma moralidade em cima de nós, e aí isso acaba em cima de quem? Do instrumento do demônio, que é o ator. Somos perigosos porque nós nos aceitamos diversos. Como entender isso do ponto de vista de uma religião, ou de uma seita, que tem lá seus princípios?”, alfinetou.