Rodrigo de Lima Ferreira
Você já deve ter ouvido falar de Lost, o seriado televisivo que tem sido um grande sucesso e foco de discussões. Suscita questionamentos filosóficos, existenciais, e, porque não dizer, teológicos. Personagens misteriosos, com nomes de filósofos (há o John Locke, o [Desmond] David Hume, há uma francesa chamada Rousseau, lembrando o Jean-Jacques — vou me alegrar se aparecer um Schaeffer na ilha…), uma trama que lembra minhas melhores leituras de Jules Verne, com aventura e ação, uma ilha perdida no meio do nada, um monstro assassino que nunca aparece, e até ator brazuca.
Tornei-me fã de Lost por isso tudo, mas também porque Deus usou esse seriado para falar comigo. Durante a trama da segunda temporada, alguns personagens descobrem uma espécie de bunker onde há um computador em que devem ser inseridos os números 4, 8, 15, 16, 23 e 42, a cada 108 minutos, para que se evite algum cataclisma.
Porém, no decorrer da trama, dois dos personagens — o misterioso John Locke e Mr. Eko, um padre nigeriano sui-generis (veja o seriado, pois não vou estragar o enredo!) descobrem outro bunker, de onde, ao que parece, todas as atividades da ilha eram monitoradas como um experimento psicológico. Locke, encarregado de, a cada 108 minutos, apertar o botão do computador, se desilude por completo, achando que sua tarefa era algo completamente sem sentido. Porém, Mr. Eko diz a ele que, se antes aquela era uma função importante, agora ela se tornou mais importante ainda. No final da temporada, ao deixar de apertar o botão do computador com os números do código, o bunker é destruído por uma descarga eletromagnética, e vemos um Locke assustado dizendo: “eu estava errado”.
Neste mundo louco em que vivemos, pode parecer que o ministério pastoral seja algo supérfluo, sem importância. Algo como, a cada 108 minutos, apertar o botão do computador com medo de algo que não se sabe, mas, por precaução, vamos apertar assim mesmo.
Mas, quando eu digo ministério pastoral, não me refiro aos modernos movimentos expansionistas. Essa ânsia por números tem cada vez menos a ver com a simplicidade do Evangelho do Crucificado e mais com a sede de poder do homem decaído. Paul Freston mesmo disse que a última coisa que se converte numa pessoa não é o bolso, mas a sede de poder. Por ministério pastoral não me refiro ao desejo de alguns de galgarem postos de comando nas estruturas denominacionais, nem me refiro à venda da autoridade ministerial por um prato de lentilhas servido nas assembléias legislativas Brasil afora.
Ministério pastoral é algo que se faz no dia a dia. Não é algo que aparece nos boletins de igreja, nem nos órgãos noticiosos das denominações. Não é algo para massas e multidões, mas sim voltado a indivíduos que, com falhas, frustrações e limitações, buscam servir e seguir a Jesus, e, para isso, precisam de homens e mulheres escolhidos por Deus para ensiná-los na Palavra e andar com eles. Ministério pastoral tem a ver com frustrações, e não só com sucessos. Ministério pastoral tem a ver com aqueles que andam nos vales, e não somente nos montes. Não traz sucesso, nem sempre traz reconhecimento, não dá dinheiro, nem dá poder.
É por isso que são necessárias pessoas escolhidas para tal função no Reino. Pessoas dispostas a fazerem algo sem importância para o mundo, e cada vez mais sem importância no mundo evangélico atual.
Resolvi que vou continuar apertando o botão. Para o mundo, é irrelevante, mas, se não o fizer, um cataclisma virá. Foi para isso que Deus me chamou, e sinto-me em paz com isso.
• Rodrigo de Lima Ferreira, casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA, hoje pastoreia a IPI de Serranópolis, GO.
Fonte : Editora Ultimato