O Hizbollah ganhou nesta semana um “mártir” brasileiro. Ibrahim Saleh, 17, morreu na última terça-feira quando lutava nas fileiras do grupo terrorista contra Israel na cidade de Maroun er Ras, no sul do Líbano.
Filho de mãe brasileira e pai libanês, Ibrahim foi morto quando um míssil israelense atingiu o carro em que estava, com outros três combatentes do Hizbollah. Um irmão de Ibrahim, de 23 anos, também brasileiro, continua na região dos combates defendendo o Hizbollah.
Segundo a família, Ibrahim foi atraído muito cedo pela ideologia do grupo xiita, e seu sonho sempre foi morrer lutando contra Israel. “Ele dizia que não queria ter uma morte qualquer, como em um acidente de carro. Queria ser “shahid” [mártir], morrer na guerra”, conta a tia de Ibrahim Zeina Kourani, paulista de Itapevi que vive na cidade de Tiro, uma das mais bombardeadas na atual ofensiva. “Disseram-nos que ele tinha um sorriso nos lábios quando foi encontrado morto.”
Shakibah, a mãe de Ibrahim, diz não ter ficado triste com a morte do filho, ocorrida exatamente da forma como ele queria. Deu um depoimento à Folha, mas preferiu deixar as explicações para a irmã. Orgulhosa porque ele caiu lutando pelo grupo xiita, Shakibah recebeu dezenas de telefonemas de vizinhos parabenizando-a pelo ato de Ibrahim. “Estão todos ligando e dizendo a ela que graças a Deus ele morreu assim”, afirma Zeina.
Educação para a guerra
Shakibah e Zeina são parte de uma família xiita de dez irmãos brasileiros de origem libanesa, seguidores dos preceitos do islamismo e adeptos da filosofia do Hizbollah. Dos dez, sete estão no Líbano. Os outros três moram ainda em Itapevi, inclusive um vereador local, Akdenis Mohamed Kourani, curiosamente eleito por um partido identificado com outra religião, o Partido Trabalhista Cristão.
Embora tivesse passaporte brasileiro, Ibrahim jamais foi ao país natal da mãe. Foi criado em Tiro, cidade dominada pelo Hizbollah –como todo o sul do Líbano. Nunca teve dúvidas do que queria. Segundo a família, ele não chegou nem a fazer planos para quando terminasse os estudos. Não pensava em faculdade ou profissão. Sua idéia fixa era juntar-se ao Hizbollah. Mais que isso: sonhava em morrer no campo de batalha. “Ele sabia que ia morrer assim, por isso nunca fez planos para quando crescesse”, diz a tia, com voz calma.
Inteiramente engajado na luta armada dos xiitas libaneses, Ibrahim mantinha pouco contato com o Brasil. A ligação com o seu segundo país limitava-se à relação com os primos brasileiros, quando eles vinham visitá-lo no Líbano.
Zeina conta que Ibrahim, como muitas crianças xiitas no sul do Líbano, começou muito cedo a ser treinado para lutar. Não fazia parte da rede de escolas do Hizbollah, estudava em uma instituição pública do Estado libanês, não-muçulmana. Paralelamente, de forma secreta, recebia um outro tipo de educação. “Eles levam os meninos para ensinar e ninguém sabe de nada, onde é ou como isso é feito. Nem mesmo os pais”, diz Zeina. Segundo ela, a convocação acontece quando os meninos xiitas têm “mais ou menos 13 anos”.
Ela calcula que haja cerca de 30 mil jovens no sul do Líbano prontos para entrar na luta, muito mais do que os que já estão na linha de frente. Pouquíssimos, porém, com tão pouca idade como Ibrahim. “Os menores são muito poucos. O Ibrahim foi voluntário”, afirma Zeina, segundo a qual o sobrinho já queria ir para a luta no ano passado quando ainda tinha apenas 16 anos.
Além de Ibrahim, Shakibah tem outro filho (cujo nome prefere não ver publicado, por motivos de segurança), que também está na linha de frente do Hizbollah, e duas filhas, de 24 e 16 anos. Desde o começo do conflito, a família desconhece o paradeiro do irmão de Ibrahim, que também tem passaporte brasileiro. “A gente sabe que ele está bem porque manda notícias, mas não sabe onde ele está”, diz Zeina.
Para um primo da mãe de Ibrahim, Abbas Kourani, que mora na cidade portuária de Sidon, as circunstâncias da morte do jovem ainda não estão claras. Ele acha difícil acreditar que o adolescente estivesse na zona de combate como parte da guerrilha xiita, apesar da vocação precoce conhecida por todos. “Sei que o irmão dele era o mais engajado, mas Ibrahim pode ter sido levado para lá e não ter conseguido sair. O que eu ouvi falar é que ele estava ajudando as pessoas desabrigadas”, conta Abbas.
Segundo a família, que ainda não viu o corpo, o enterro será providenciado pelo Hizbollah e deve acontecer em Tiro, mas só quando acabar o conflito.
Fonte: Folha