Católicos turcos reforçaram o tom de reconciliação em Trazbon, cidade à beira do Mar Negro, exatamente um ano depois de um adolescente atirar em um padre que estava orando em sua igreja.
Trazbon tem enfrentado uma série de críticas dos turcos e da imprensa internacional depois do assassinato do padre Andrea Santoro e do suposto assassinato do jornalista armeno Hrant Dink. O forte aparato de segurança dentro e nos arredores da igreja indicava que as autoridades não desejam que o incidente se repita.
“Trabzon é uma cidade honesta e limpa”, disse em turco o bispo de Anatólia, Luigi Padovese, na abertura da missa em homenagem ao padre Andrea Santoro, na Igreja de Santa Maria. “Nós continuamos a acreditar na honestidade do povo aqui”, disse.
O cardeal Camillo Ruini, presidente da Confederação de Bispos Italianos e Antonio Lucibello, enviado do papa à Turquia, celebraram a missa enfatizando a importância dessas palavras aos católicos turcos.
“A maioria da população de Trabzon é como nós (cristã), rejeita a violência e não entende os assassinatos”, declarou o Padovese ao Compass.
Os turcos protestantes disseram que a pressão negativa contra Trabzon tem aumentado o ódio de segmentos nacionalistas na cidade. “Certos jovens começaram a usar boné branco (assim como o jovem Ogun Samast que confessou o assassinato do jornalista) porque o vêem como um líder e um herói”, disse Sezgin Saglamer à Compass. “A fonte desse ódio não é contra os cristãos: é de certa forma porque a mídia tem atacado excessivamente Trabzon”.
A mãe, as irmãs e uma prima do padre assassinado vieram da Itália à cerimônia trazendo uma mensagem de perdão.
A primeira atitude da mãe do padre Santoro ao entrar na pequena igreja foi descobrir o lugar exato onde estava seu filho no momento em que recebeu o tiro do adolescente de 16 anos, Oguzhan Aydin. Acompanhada de apenas alguns policiais e clérigos, ela chorou muito durante a oração, antes de andar pela capela.
“Minha família e eu perdoamos do fundo do nosso coração”, disse a irmã do padre Santoro ao jornal Today´s Zaman. “Antes de Jesus morrer ele disse: Pai, perdoa-os porque não sabem o que fazem”.
A chegada inesperada dos pais do assassino, por volta das 11h, gerou uma pequena dispersão de algumas dezenas de jornalistas turcos que estavam próximos ao casal. Algumas pessoas levantaram-se dos assentos e esbarraram em uma freira. No final, o casal, livre do assédio da imprensa, teve um encontro privado com o cardeal Ruini e o bispo Padovese para expressar sua simpatia e condolência.
“Foi emocionante ver que o pai e a mãe do assassino vieram”, disse Padovese. “Nós pudemos perceber que eles estavam genuinamente tristes com todo o ocorrido”.
A troca de gentilezas contrasta com os comentários anteriores da mãe de Aydin que havia saído em defesa do filho antes da sentença. De acordo com a imprensa turca, ela teria dito: “Meu filho está preso pelo Estado, pelo povo, então ele só pode ter a minha bênção. Ele está preso por Alá”.
Mídia contribui com mortes
Aydin foi sentenciado a 18 anos e 10 meses de prisão em outubro por ter atirado em Santoro. Por ser menor, ele deve cumprir apenas 10,5 anos de sentença.
Ao contrário do que foi contado à mídia, Padovese disse ao Compass que os pais de Aydin não se encontraram com a mãe de Santoro. O bispo disse que esperava evitar que ela passasse por outro choque.
Apesar de a cerimônia ter recebido uma cobertura positiva da mídia turca, membros da comunidade católica estavam cautelosos com os diversos jornalistas que cobriram o evento.
Um membro da congregação comentou que as matérias negativas da mídia nacionalista contra Santoro, e mais recentemente contra Dink, provocaram as suas mortes. A imprensa local tem publicado artigos e editoriais dizendo que o padre italiano estava convertendo muçulmanos ao cristianismo.
Um forte aparato policial um dia antes da missa em memória ao padre acendeu a incerteza entre a pequena comunidade cristã de Trabzon. “Os cristãos de Trazbon não estão com medo, mas devem ficar mais atentos”, disse Padovese, reforçando que estava grato pela excelente segurança providenciada pela cidade.
“O padre Andrea sempre nos disse que ficava mais preocupado por nós do que por ele mesmo”, comentou um muçulmano turco que cuidou da igreja durante os três anos que Santoro esteve em Trabzon.
Os cristãos na Turquia têm encarado o aumento da perseguição religiosa ao longo do ano passado. Ataques a padres estrangeiros aconteceram em Izmir, Mersin e Samsun em 2006. O mais sério aconteceu em julho quando um homem com problemas mentais enfiou uma faca num velho padre francês do lado de fora da Igreja Madre Dolorosa, em Samsun.
Convertidos ao cristianismo têm sofrido ataques, o mais recente foi o apedrejamento da Igreja Protestante Ágape, em Samsun, no mês passado.
Em sua homilia, traduzida do italiano para o turco, o cardeal Ruini ressaltou a necessidade da liberdade de consciência como base da adoração a Deus. “A verdade e sinceridade de culto a Deus só é possível com liberdade e amor fraterno”, disse o Ruini. “Nós viemos destacar a liberdade de culto”.
Fonte: Portas Abertas