A Santa Sé não afasta do catolicismo casais em segunda união. A orientação é acolhê-los. Por outro lado, esses fiéis ficam impedidos de comungar, de se confessar ou de se casar novamente. Para mudar isso, uma solução é recorrer ao Tribunal Eclesiástico e obter uma declaração de nulidade do primeiro casamento que pode demorar, no mínimo, seis meses.
O processo custa cerca de 8 salários mínimos e depende da adequação do caso às circunstâncias previstas no Código de Direito Canônico para declarar a nulidade do casamento. Pela regra, isso significa o mesmo que anular o matrimônio, mas a palavra não é usada pela Igreja, que prefere afirmar que a união não existiu de fato ou não foi válida.
O promotor de Justiça aposentado João Bosco Oliveira, de 69 anos, e a mulher dele, a advogada Aparecida de Fátima Fonseca Oliveira, de 49 anos, preferiram trilhar um novo caminho, longe dos tribunais, e acabaram descobrindo uma missão de vida.
Quando se conheceram, João era divorciado e não podia se casar de novo na Igreja. Por seis anos, eles insistiram na criação da primeira Pastoral de Casais em Segunda União do país, o que aconteceu em 1993 na Diocese de Jundiaí, a 60 km de São Paulo.
“Hoje já implantamos (a pastoral) em 150 dioceses no Brasil”, diz João Bosco, que escreveu com a esposa seis livros sobre o tema. As reuniões se dirigem à evangelização dos casais e a discussões, como os princípios do matrimônio cristão.
“A grande missão dos casais em segunda união é mostrar àqueles que têm os sacramentos o valor que têm em mãos, evitando novos divórcios”, afirma ele, que defende o respeito às restrições. “Se ferir a lei da Igreja tem de agüentar as conseqüências”, acrescenta.
Há oito anos, a primeira esposa de João Bosco morreu. Desaparecido o impedimento para o segundo matrimônio, João e Aparecida realizaram o sonho de se casar na Igreja Católica.
Pela raiz
Também existem casais em segunda união que, mesmo sem condições de tornar nulo o matrimônio, não abrem mão dos sacramentos. Depois de analisar cada caso, alguns padres chegam a orientar os fiéis a comungar em outras paróquias, onde os interessados na eucaristia não são conhecidos pela comunidade.
Em outra situação, quando somente um dos cônjuges se recusa a se casar na Igreja, o outro tem a chance de driblar as restrições. O Direito Canônico permite que, em casos assim, o matrimônio se torne válido, mesmo não sendo católico.
O trecho do código que trata do tema recebe o nome Sanatione in Radice (sanação na raiz, na tradução do latim). O católico envia ao bispo de sua diocese um documento em que pede sua regularização na Igreja.
Maria Sueli Stocki Lazare, de 44 anos, obteve neste ano essa espécie de licença para voltar a comungar. A emprega doméstica chegou a ser criticada por outra católica por comungar sem ter um casamento na Igreja. “Todo mundo dizia para mim que eu não podia comungar, me crucificavam. Agora com essa liberação, eu vou comungar tranqüila, com o coração limpo. Não vejo a hora de chegar o fim de semana para ir à missa”, comemora ela, que permaneceu sem participar da eucaristia durante 24 anos.
Marta Vieira, de 32 anos, não vê problemas em participar da eucaristia, mesmo não sendo casada na Igreja Católica e mantendo uma união estável. Pelas regras da religião, casais que não receberam o sacramento do matrimônio não podem tomar a hóstia. “Não vejo pecado algum em comungar. Se eu fosse seguir as normas da Igreja, não faria a comunhão, mas me sinto permitida por Deus a comungar”, diz a administradora de empresas.
“Se eu não sou bem vista aos olhos de Deus, o que eu vou fazer na igreja? Prefiro rezar na minha casa”, protesta a consultora imobiliária Maria Solange de Aquino, de 46 anos, que já foi casada duas vezes, nenhuma delas na Igreja. Após a separação, o Vaticano não se opõe mais à comunhão.
Aborto
A orientação da Igreja é que mulheres que fizeram aborto só possam comungar após obter o perdão na confissão. A Organização Não-Governamental Católicas pelo Direito de Decidir, de São Paulo, defende que a mulher recorra à própria consciência na hora de optar pela interrupção da gravidez.
“Acreditamos que a prestação de contas é com Deus, não com o Papa ou com o bispo. Se a mulher achar que o aborto é a solução, a Igreja deve acolher e não culpá-la. Essa condenação que a Igreja faz, a princípio, é baseada em princípios abstratos, mas não vê as razões da mulher”, defende a socióloga da religião Regina Soares Jurkewicz, de 51 anos, que é militante da ONG.
Fonte: Gazeta Online