Pintado como um dos países mais civilizados do mundo, o Canadá se tornou uma sociedade em que o politicamente correto é uma regra não escrita, mas real. Nesse contexto, uma cristã decidiu que deixaria seu filho escolher a própria religião após explorar suas opções, viu o rebento converter-se ao islamismo e se tornar um extremista, filiado ao Estado Islâmico.
A mãe canadense Christianne Boudreau deixou seu filho Damian explorar a religião que bem entendesse enquanto crescia em Calgary, na província de Alberta. “Sempre acreditei firmemente que a fé de alguém é uma jornada pessoal e que [as pessoas] precisam descobrir o que funciona para elas”, diz ela.
Ela e seu marido se divorciaram quando Damian tinha 10 anos. Depois do divórcio, ela descobriu que seu marido era ateu, algo que ele escondeu durante o casamento. Mas ela não acha que a falta de fé de seu marido tenha influenciado seu filho.
Christianne perdeu o irmão mais novo de Damian para a morte em 2001. “Isso quase me destruiu”, lembra ela. “Eu passei por depressão. Eu passei por raiva; Eu passei por odiar a Deus. Fui medicada, mas não adiantou nada. Somente quando me reuni novamente com a minha fé, encontrei a força para recompor minha vida e seguir em frente. Eu tive que ir dentro de mim e confiar na minha fé, para encontrar a força para colocar um pé na frente do outro”, contou.
De acordo com o relato do jornalista Mark Ellis, do portal God Reports, Christianne frequenta a Central United Church, parte da Igreja Unida do Canadá, uma organização que nos últimos anos se tornou conhecida por abraçar a teologia inclusiva, que defende a homossexualidade como uma prática que não transgride o Evangelho. Em sua declaração de crenças, a Igreja Unida do Canadá diz: “A Bíblia é o padrão compartilhado para nossa fé, mas os membros não são obrigados a aderir a qualquer credo ou formulação de doutrina em particular”.
Alguns anos após o divórcio, Damian começou a resistir ao cristianismo. “Quando ele tinha 14 anos, ele começou a questionar minhas crenças e começou a questionar a Bíblia, dizendo que havia muitas contradições, e não ficou bem com ele. Disse que havia muitos hipócritas na igreja e ele teve dificuldade com isso. Ele parou de ir à igreja comigo”, narrou a mãe.
Depois de explorar outras fés, Damian se converteu à religião islâmica quando tinha 17 anos. Inicialmente, a postura de Christianne era favorável. “Pelo menos ele encontrou algo para seguir, sua fé, algo para identificar como seu próprio”, afirmou, explicando como ela pensava na ocasião.
Então Damian saiu da casa e começou a fazer amizade com outros muçulmanos. De repente, tudo começou a mudar. Quando ele tinha 20 anos, seu comportamento tornou-se “rigoroso quanto às suas práticas”.
“Os telefonemas tornaram-se muito particulares”, conta ela, explicando que seu filho saía de casa para atender as ligações. “Algumas vezes ele discutiu sobre crenças religiosas. Ele não se sentaria mais à mesa se houvesse uma garrafa de vinho ali. Ele se recusou a se juntar à família no Natal”, acrescentou.
Christianne admite que foi ingênua: “Eu não entendi o que era extremismo. Eu já tinha ouvido falar de gangues antes, mas isso era tudo que eu tinha sido apresentado. Eu estudei [sobre] seitas na escola, mas não reconheci que isso era o que estava acontecendo com ele. Eu vi como se fosse potencialmente outra mudança. Ele passou por alguma depressão e eu temia que ele estivesse começando a entrar em depressão novamente”.
Sua agitação e raiva a confundiram. “Eu pensei que ele iria encontrar o caminho de novo e eu precisava ter paciência”, relembrou a mãe.
Em novembro de 2012, Damian deixou o Canadá e se mudou para o Egito, com a justificativa de que iria estudar árabe e se tornar um imã. “Para mim, qualquer um no nível mais alto da fé, isso é uma coisa boa”, ela argumentou.
Christianne recebeu um e-mail informando que ele tinha chegado em segurança e estava se matriculando na escola. “Eu conversei com ele regularmente [nesse período]. Ele disse que a comida agredia seu estômago e sentia falta da minha comida caseira. Nós brincamos sobre isso. Ele disse que os estudos estavam indo bem. Ele fez alguns amigos. Tudo estava indo bem.
No dia 23 de novembro de 2012 eles conversaram. Naquela época, a guerra civil síria fervilhava e os protestos irromperam no Cairo depois que o governo do presidente Mohamed Morsi anunciou que a presidência teria poderes ilimitados.
“Estou preocupado com o caos que está acontecendo no Cairo”, disse ela ao filho. “Não se preocupe, eu não estou nem perto da cidade do Cairo”, ele assegurou-lhe. Eles falaram por telefone um mês depois e depois houve completo silêncio.
Em janeiro de 2013, Christianne recebeu um telefonema do Serviço Canadense de Inteligência de Segurança (CSIS) perguntando sobre seu filho. “Sinto muito, ele não está aqui; ele está no Egito estudando agora”, disse ela.
“Temos algumas preocupações”, começou o homem ao telefone, quando os joelhos de Christianne se enfraqueceram. Eles apareceram em sua porta e começaram a fazer muitas perguntas. “Isso não pertence a ele porque ele está no Egito estudando árabe”, ela protestou.
“Aqui está a coisa”, um dos homens se nivelou com ela. “Estamos observando ele há quase dois anos. Nós sentimos que ele foi se juntar a uma organização terrorista. Ele não está no Egito. Ele foi levado para a Turquia e desde então cruzou a fronteira para a Síria”, relatou o oficial do governo.
Ela soube que Damian primeiro foi a um campo de treinamento de terroristas na Turquia, administrado por Jabhat-al-Nusra, uma afiliada da Al Qaeda. Os agentes do CCIS conversaram com Christianne por duas horas. Eles a avisaram para não contar a ninguém porque ele estava ligado a “pessoas más” e, se a informação vazasse, eles viriam atrás dela e de sua família. Ela tinha outras duas crianças na casa na época, com oito e 11 anos de idade.
A notícia atingiu Christianne como uma pancada. “Eu estava vomitando quando eles saíram”, contou ela, explicando o nível de desespero que a atingiu.
Semanas se passaram e Christianne não ouviu nada de seu filho. Seu telefone parecia estar desligado. Do nada, ela recebeu uma mensagem de texto de um novo número associado a ele. Ela procurou o código de área e descobriu que era um código da Síria. Quando ela ligou para ele, confrontou-o sobre o código de área.
Então ele veio limpo. “Não é como você pensa”, ele disse a ela. “Há terríveis atrocidades acontecendo aqui. Mulheres e crianças estão sendo assassinadas e torturadas. Eles estão sendo maltratados. Alguém precisa se levantar e protegê-los e ninguém está fazendo nada a respeito”, disse Damian, tentando minimizar a situação.
No entanto, Christianne discutiu com Damian. “Volte … você não será de ajuda para ninguém se você estiver morto”. Ela desligou o telefone desanimada, sabendo que sua súplica caíra em ouvidos surdos.
Ela descobriu mais tarde que eles tinham pegado o passaporte de Damian depois que ele chegou, então não teria sido fácil para ele voltar. Suas pontes foram queimadas. Em sua angústia, Christiane queria encontrar alguém para sequestrá-lo e levá-lo de volta ao Canadá, para que enfrentasse as autoridades de seu país e até mesmo ir para a cadeia, se necessário. Se ele estivesse trancado, estaria a salvo, ela pensou.
Em sua frustração sobre o assunto, Christianne foi a público com um repórter. Quando Damian descobriu que ela tinha tornado a situação pública, ele explodiu com sua mãe no telefone. “Eu não ouvi falar dele até setembro de 2013, quando houve muitas brigas e ele passou do Jabhat al-Nusra para o Estado Islâmico”.
O serviço de inteligência canadense também ficou bravo com ela por ir a público. “Temos que proteger a imagem do nosso país”, informaram friamente. “E se você fizer isso e destruir nossa imagem, faremos o que for necessário para repará-la ou a jogaremos sob o ônibus se for necessário”, alertaram.
Certa noite, ela recebeu um telefonema horrível de um repórter, perguntando se ela tinha uma foto recente de Damian. “Ele disse que queria compará-lo a uma foto em um elogio publicado pelo Estado Islâmico no Twitter. Ele nem parou para pensar em perguntar se eu sabia. Ele só queria sua matéria”, desabafou.
Com o coração apertado, ela passou a temer o pior. Um amigo ligado ao governo mandou uma mensagem para ela no dia seguinte. “Estou ouvindo rumores e eles não são muito bons”, disse o amigo. “Eu ouvi os mesmos rumores. Eu preciso saber se é verdade”, respondeu ela por mensagem de texto.
A mulher entrou em contato com uma jornalista que conhecia na Síria e eles confirmaram a temida notícia. Damian Clairmont, que havia assumido o nome de Mustafa al-Gharib, foi ferido em batalha e posteriormente capturado e morto por uma facção das forças do Exército Livre da Síria em Aleppo.
Autoridades no Canadá deram a Christianne uma hora para reunir sua família para compartilhar as notícias sobre seu filho antes que os jornalistas divulgassem as informações mais amplamente. “Eu estava completamente entorpecida. Eu tive que ir resgatar as crianças da escola, desligar a TV e deixar todos trancados na casa”, contou.
Naquela manhã, ela tinha um compromisso de longa data agendado com um psicólogo para o filho mais novo, então ela o levou para a consulta para que o profissional a ajudasse a compartilhar as novidades. Durante a crise, sua caminhada com Deus significava tudo. “Desta vez eu fui forte na minha fé”, disse ela. “Ele me leva todos os dias. Quando penso que estou pronto para desistir, Ele coloca algo no meu caminho”, disse, reconhecendo que a religião não é algo tão abstrato como ela entendia antes.
“Eu não entrei em depressão; Eu sabia que precisava entrar em algo positivo para salvar outras vidas. Eu sabia que era um teste que eu precisava passar”, afirmou Christianne, que agora atua com a organização Mothers for Life, uma rede global de pais que viveram episódios de radicalização jihadista violenta em suas próprias famílias.
“Eu quero ajuda para as crianças antes que elas sigam esse caminho. A conexão da família é importante para ajudar a tirá-los disso. Todos nós precisamos começar a nos educar, alcançando nossos vizinhos, construindo comunidades mais fortes”, concluiu.