A sociedade de consumo está influenciando o pensamento religioso e o comportamento dos cristãos. Quem observa a mudança é o professor do mestrado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Luiz Alexandre Solano Rossi, que acaba de relançar o livro Jesus vai ao McDonald’s: teologia e sociedade de consumo. “Deus não pode ser visto como um bem a ser consumido, como se fosse uma mercadoria a mais. É o que procuro mostrar”, diz.
Segundo Rossi, em alguns tipos de teologia praticadas nas igrejas, tanto protestantes quanto católicas, é possível observar a transformação de Jesus em um produto. A consequência, reforça o pesquisador, é que a vivência cristã acaba se equiparando a uma loja de fast-food, na qual o cliente “escolhe” o que bem entende, nos moldes da chamada Teologia da Prosperidade. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
Qual o impacto do consumismo na Igreja e na teologia?
O impacto se dá em dois momentos. O primeiro é na formação de uma cultura que nega a coletividade, fazendo com que a teologia deixe de ser vista como um instrumento de proteção da vida, principalmente da vida dos mais vulneráveis, para se tornar um instrumento individual. O segundo impacto é que o fiel começa a pensar mais no seu sucesso e bem estar pessoal do que nos outros. Para atender a esse desejo, muitos migram de uma comunidade para outra, seja católica ou protestante, como se fossem lanchonetes de fast-food. Se a pessoa percebe que igreja tal tem uma certa eficiência, se ouve que lá dá resultado, então se muda. Desaparece o compromisso com uma doutrina, uma história, uma tradição.
Diante desse cenário, as igrejas deveriam se reinventar ou se manter como sempre foram?
As igrejas precisam ler os sinais que a sociedade emite, reinventando-se a cada dia. E perceber como a mensagem cristã pode responder às grandes questões, influenciando a sociedade. A sociedade de consumo já fez a sua parte criando a chamada Teologia da Prosperidade. Essa teologia diz que o plano de Deus é fazer o homem feliz, abençoado, próspero, um sucesso absoluto. A complexidade é que, para esta teologia, só não é próspero, saudável e feliz quem carece de fé ou quem não cumpre o que a Bíblia diz a respeito das promessas de Deus. Quando não, as pessoas destituídas de êxito são malvistas, como se estivessem envolvidas com as forças do diabo ou em pecado. Essas situações estão muito aquém da religião. A teologia tem de proteger e não dizer que alguns seres humanos são miseráveis porque pecaram, ou coisa assim. De forma alguma, Deus os chama.
Quais são outras consequências negativas do consumismo impactando a teologia?
Um deles é a que a preocupação do indivíduo passa a ser somente consigo. A responsabilidade coletiva deixa de existir. A segunda é a superficialidade, a falta de reflexão. Temo que as pessoas hoje não queiram refletir da maneira como deveriam, atitude típica da cultura pós-moderna. Tudo se tornou muito rápido e superficial. E a superficialidade gera mediocridade. Diria que muitos pregadores jogam para suas plateias, dominicalmente, pílulas religiosas revestidas de Prozac, alienando o povo do mundo real. Isso é antiteologia.
Como deve ser, então, a relação das pessoas com a religião?
Um dos pontos essenciais do cristianismo é o seguimento de Cristo. Ser discípulo é seguir o que Ele ensinou. O que implica estar junto daqueles que vivem à margem, sem dignidade. É o primeiro passo. O segundo é uma questão prática. O fiel precisa superar a promessa da Teologia da Prosperidade com aquilo que chamo de Teologia do Suficiente. A religião pode nos ajudar a pensar o que é o bastante, o necessário para que possamos viver com dignidade, sem explorar de forma ilimitada o nosso planeta.
O consumismo na religião é um caminho sem volta?
Sou um otimista. Dentro das igrejas vê-se a influência intensa da Teologia da Prosperidade. Mas, por outro lado, tem-se no ambiente religioso tanto aqueles que aderiram à teologia influenciada pela sociedade de consumo como gente que refuta essa fórmula.
Fonte: Gazeta do Povo