Médicos, religiosos e pacientes discutem até que ponto a crença em uma força superior, seja ela qual for, influência na recuperação de doentes. A questão é tão crucial que faculdades de medicina já têm no currículo a disciplina espiritualidade e saúde.
Há um ano, a arquiteta paulistana Suely Suchodolsky estava fazendo um curso em Miami para tirar sua licença profissional e trabalhar nos Estados Unidos. Em plena sala de aula, sentiu uma dor de cabeça muito forte e caiu no chão. Na hora, percebi que teria de lutar pela vida e pedi ajuda e proteção aos anjos, revela.
Encaminhada ao Baptist Hospital, ela foi atendida por um especialista em sistema cardiovascular, John Connor, que diagnosticou um aneurisma cerebral com hemorragia e submeteu-a a uma cirurgia. Fez um pequeno furo na perna e introduziu por ali um anel que tampou o aneurisma. Suely, 59 anos, ficou três dias em coma. De repente, saí da escuridão e fui envolvida por uma luz branca e prateada. Ao abrir os olhos, na UTI, vi que meu filho estava de um lado da cama emeu namorado do outro, lembra, emocionada.
O médico disse a ela que apenas 10% das pessoas que sofrem um aneurisma como aquele sobrevivem. Durante os dois meses que passou no hospital – incluindo os 27 dias que esteve na UTI -, a arquiteta se entregou a preces tradicionais de cura judaicas. Também contou com orações de amigos e parentes de várias religiões: do rabino e de sua comunidade nos Estados Unidos e no Brasil, de uma monja budista, de católicos e de devotos do guru indiano Sai Baba. Eu me senti cercada por uma nuvem de amor o tempo todo. Minha cura foi uma graça, uma experiência profunda. Agora em minha vida só há espaço para fé, bem-estar, sucesso e desejo de compartilhar.
Não existem provas científicas de que a fé cura, mas a idéia corrente nos grandes hospitais é de que ela predispõe o paciente a melhorar. Tanto que, em muitas faculdades nos Estados Unidos, estudantes de medicina e enfermagem têm aulas sobre a relação da espiritualidade com a saúde. No hospital onde Suely esteve, por exemplo, a equipe era preparada. O pessoal transmitia a idéia de que havia uma força mais poderosa ali entre nós.
Isso me dava muita segurança, conta a arquiteta. Para o médico Elias Knobel, vice-presidente da UTI do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, a palavra de um líder religioso pode ser muito importante no período de internação.
O médico Hamilton Camargo Rodrigues, 52 anos, homeopata e cirurgião coloproctologista do hospital da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, aposta na meditação para controlar pelo menos três males. Pesquisas já provaram que ela diminui a pressão arterial, acalma os batimentos cardíacos e alivia o stress, diz. Ele medita diariamente há 32 anos, uma hora por dia, sempre pelas manhãs: nesse período, explica, o metabolismo desacelera e o corpo descansa como se estivesse dormindo.
Com isso, a pessoa fica revigorada e as emoções negativas – que desgastam o sistema nervoso e hormonal e baixam a resistência – são substituídas por outras, positivas. Mais: a sensação de paz e contentamento estimula o sistema imunológico. Os cinco sentidos são desligados e a energia voltada para o exterior reverte para o interior, espalhando-se pelo eixo cérebroespinhal, centro de percepção e inteligência, assegura.
O entendimento dos médicos hoje, de maneira geral, é muito semelhante ao defendido pelos católicos e por alguns evangélicos. Não recomendo largar o tratamento, mas acrescentar coisas a ele. Adicionar, nunca excluir.
A cura não depende só da fé, depende também de ter um bom profissional para o diagnóstico e tratamento, afirma a psiquiatra Alexandrina Meleiro, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, de São Paulo.
Em Deerfield Beach, na Flórida, o pastor evangélico Clewson Oliveira, da Catedral de Milagres, afirma que a fé em si não cura. Quem cura é Deus. É Ele quem cura através da fé. Em oposição, afirma, é correto dizer que a ausência de fé prejudica a cura. A incredulidade limita o poder de Deus, diz o pastor.
Para ele, a fé não significa necessariamente religião. A religião é uma coisa que não resolve o problema da humanidade. O que resolve é a fé na pessoa certa, afirma o pastor, acrescentando que a ciência é uma das formas utilizadas por Deus para a cura.Nenhum médico pode se vangloriar em dizer que curou, porque se Deus não desse sabedoria ao homem, ele não poderia fazer nada em prol da humanidade, conclui.
Para o neurocirurgião Nubor Facure, diretor do Instituto do Cérebro de Campinas (SP), a espiritualidade é mais do que um mero auxílio, é um atributo do ser humano e a essência da cura.
Os recursos materiais têm poder de atuar na matéria, mas por trás de tudo, a essência da cura está na espiritualidade. Quem tem uma doença grave procura os recursos da medicina, mas nem sempre os resultados são eficazes porque a condição espiritual não está adequada à cura, diz Facure.
O pneumologista Daniel Deheinzelin, diretor-clínico do Hospital do Câncer, no entanto, é mais cético em relação ao assunto. Para ele, a fé religiosa não tem impacto muito grande, a não ser pelo conforto psicológico. Deheinzelin considera, no entanto, a fé extremamente importante para aumentar a aderência ao tratamento.
Conversão
Buscar forças para enfrentar e superar uma doença é um comportamento comum observado pelos médicos. Diante de quadros crônicos ou terminais, pacientes que nunca tiveram uma crença recorrem às religiões em busca de conforto e apoio.
Alexandrina Meleiro, do HC de São Paulo, confirma a peregrinação dos pacientes crônicos ou terminais por várias religiões. A grande maioria, de 70% a 80%, não tem credo a vida inteira, mas quando descobre que tem uma doença grave procura alguma religião. É como se tivessem lembrado de pedir o visto para o passaporte, afirma.
Sentimentos de angústia, de desesperança e de desânimo, que freqüentemente atingem pessoas doentes, diminuem e podem até desaparecer quando há fé, de acordo com a psiquiatra.
Paciente com desesperança morre mais precocemente. Portadores de HIV, por exemplo, melhoram quando começam a freqüentar qualquer religião. Deixam de ter desesperança, passam a acreditar na cura e há uma transformação no cérebro.
Fonte: Cidade Verde