Uma guarita verde na entrada do prédio administrativo da Vale na barragem de Brumadinho (MG) não foi destruída pela lama de rejeitos e agora é o símbolo do milagre vivido por um dos funcionários da empresa, que sobreviveu à tragédia e agora conta seu testemunho.
Cláudio Pereira do Santos, 34 anos, trabalhava na portaria de entrada da Mina do Feijão, recebendo as notas fiscais de todos os carregamentos que chegavam. No dia 25 de janeiro, quando houve o rompimento, ele havia retornado do almoço há pouco tempo. “Foi um verdadeiro milagre eu estar vivo, primeiramente porque minha sala ficou intacta, segundo porque eu ia almoçar 12h30 e fui 11h porque me deu uma fome muito grande”, contou.
“Eu tinha acabado de ligar para minha sobrinha, às 12h24 conversei com ela no Whatsapp. Logo após eu fiz o cadastro de uma nota, muito rapidamente, e nesse intervalo eu fui para o banheiro, foi quando ouvi o barulho”, disse Santos, explicando que se tivesse ido almoçar no horário habitual, teria morrido, pois o refeitório, assim como outras partes do prédio administrativo, foram engolidos pela lama.
Ele falou que o barulho da lama descendo o fez achar que fosse um caminhão com o pneu estourado: “Quando abri a porta já me deparei com toda a destruição”, disse, acrescentando que a correnteza de lama estava a cerca de 5 metros da guarita onde trabalhava. “Eu cheguei a ver pessoas caindo, não conheci quem, pessoas caíram, parece que machucaram a perna, e a lama pegou”.
“A sensação no momento em que eu pulei a janela e comecei a correr é que a lama ia me pegar, porque eu não olhava para trás, eu só sentia ela passando a minha esquerda”, disse Santos em entrevista ao G1. “Quando eu corria ali, eu senti uma paz espiritual muito grande, como se eu fosse morrer mas eu estava bem com Deus. Mas, o meu psicológico teve muito medo na hora de demorar para morrer. Se eu morresse rápido, não teria problema, foi o que pensei na hora, mas eu tive medo de ficar agonizando na lama por muito tempo, esse foi meu único medo”, relembrou.
Enquanto corria sem olhar para trás, Santos lembrou-se de uma área que o manteria seguro se o rompimento se resumisse à Mina do Feijão: um sítio onde ele já havia morado, localizado na parte alta do Córrego do Feijão. Ao chegar lá, ligou para o irmão e descobriu que ele havia escapado por ter saído da barragem 20 minutos antes do rompimento.
Na conversa com seu irmão, Santos disse que se houvesse um segundo rompimento, ele seria pego pela lama: “Se a segunda barragem estourar vai me atingir, eu vou morrer, então meu corpo vai estar daqui [do sítio onde estava] para baixo, você avisa [o resgate]”, contou.
Abalo
Evangélico, Santos ficou tão abalado nos primeiros dias que “não tinha forças para orar”: “A minha única oração era ‘obrigado, Senhor, por eu ter sobrevivido’.
No domingo, quando conseguiu se recompor, sentiu Deus falando com ele: “E quando a gente fez a oração, a mesma mensagem que eu havia recebido antes a essa tragédia, foi a mesma mensagem que veio, ela [uma parente] cantou um louvor para mim, aquele que fala ‘mil cairão ao teu lado, dez mil a tua direita, mas tu não serás atingido porque eu sou o Teu Deus’”.
Santos é solteiro e mora com os pais, Maria José dos Santos, de 69 anos, e Valdemar Pereira dos Santos, de 72. Na entrevista, reafirmou o que sempre dizia aos colegas de trabalho: “A minha missão na Terra é cuidar dos meus pais. Eles vão primeiro, depois eu vou”. Eles moram no Parque da Cachoeira, um dos bairros que teve casas destruídas pela lama. “Eu fui atingido de duas formas, né, lá no serviço e aqui no bairro”.
Para Santos, a tragédia tem um propósito ainda não compreendido pela maioria: “Eu creio que tem um espiritual muito forte em cima disse tudo, uma mensagem de Deus muito forte, não só para os brasileiros, não só os sobreviventes, mas para o mundo, uma mensagem para a raça humana, de que é tempo de colocarmos nossa vida verdadeiramente diante de Deus”.
Mais milagres
Na última quarta-feira à tarde, 30 de janeiro, dois sobreviventes prestaram depoimento na Delegacia Especializada em Investigação de Crimes Contra o Meio Ambiente (DEMA), e ainda abalados contaram que viveram um milagre pois a caminhonete onde estava foi levantada pela lama, mas não engolida, como os demais carros, imóveis e vagões de trem à sua volta.
“A gente ia fazer o serviço acompanhando os terceirizados. Mas antes mesmo de a gente começar, eu ouvi um estrondo. Pensei que fosse trem que tivesse descarrilado, mas, quando cheguei para avistar, vi a lama. Eu e um colega meu tentamos fugir, mas não deu tempo. Corre prá lá, corre pra cá, a lama cercou e jogou a caminhonete para cima”, contou o operador mantenedor e saneamento da Vale, Elias de Jesus Nunes.
Muito abatido, mas com certeza de que testemunhou um milagre, Nunes explicou que a força da lama descarrilou os vagões do trem da Vale, deixando alguns retorcidos. No entanto, o carro onde estavam não sofreu avarias.
Em entrevista ao jornal Estado de Minas, ele disse que somente a mão de Deus poderia fazer com que a caminhonete fosse levada pela lama da forma como aconteceu. “A lama misturada com terra pegou a caminhonete por baixo e a levantou”, completou.
“A barragem não apresentava rachadura, problema. Nada. Estava num lugar que era meu trajeto de rotina, onde passava todos os dias”, disse Nunes, que relatou que entre o barulho do rompimento à chegada da lama foram cerca de seis minutos: “Quando ouvi o barulho, a barragem já tinha rompido”.
Outro sobrevivente, o operador de máquinas William Isidoro de Jesus contou que escapou por um triz da correnteza de rejeitos de minério: “Quando assustei, já tinha um monte de lama do meu lado. Deus me salvou. Por isso estou hoje aqui com vocês. Foi algo bem triste”.
William Isidoro acrescentou ainda que nenhum alarme soou alertando sobre o rompimento: “Nos treinamentos, a orientação era que a sirene tocaria e a gente seguiria pelas rotas de fuga. Mas não teve aviso, não teve sirene. Estava na máquina trabalhando, quando vi a lama chegando perto de mim. Parecia cena de filme”, concluiu.