A psicóloga Eda Lúcia Damásio de Araújo, de 63 anos, entrará na terça-feira com representação no Ministério Público Estadual contra o padre João Pedro Stawicki, que se recusou a realizar o casamento do seu filho, Pablo Damásio de Araújo, de 33 anos, com Cláudia Araújo Vianna, de 32 anos. Pablo tem paralisia cerebral e Cláudia, déficit de aprendizado.
Pablo e Cláudia viviam juntos havia dois anos, quando decidiram casar-se no religioso. Eles procuraram a Paróquia de São Sebastião de Itaipu, na Região Oceânica de Niterói, Grande Rio, fizeram curso de noivos e marcaram a data da cerimônia para 9 de dezembro de 2006. Um mês antes, quando Pablo esteve na igreja pagar a taxa de R$ 170, foi surpreendido com a informação de que o padre não faria a cerimônia.
“O padre simplesmente devolveu a documentação e alegou que a moça era evangélica. Na verdade, na entrevista preliminar a Cláudia contou que, quando criança, freqüentou cultos com uma tia. Mas nunca foi evangélica”, contou a psicóloga. Eda foi até a igreja para conversar com Sawicki. “Ele mostrou o Código do Direito Canônico e disse que segundo a lei, a Igreja não dá o sacramento para incapazes de procriar”.
A decisão foi um choque para o casal. “Nós ficamos muito tristes. Estamos juntos há 5 anos. Queríamos um casamento no religioso”, contou Cláudia. A paralisia cerebral afetou a fala de Pablo, mas não o impediu de trabalhar em empresas como Carrefour e Lojas Americanas. Ele também é pintor e atleta da Associação Niteroiense de Deficientes Físicos. Cláudia foi funcionária por oito anos de uma cooperativa que presta serviços para o Banco do Brasil. “O padre disse que se ele fosse surdo-mudo até poderia fazer o casamento”, lembra Cláudia. “Mas eu falo”, completa Pablo.
O casal acabou realizando uma cerimônia na sede da Associação Niteroiense de Deficientes Físicos (Andef) na data prevista. Um amigo da família, de religião espírita, deu a bênção aos noivos. Cláudia fez questão de entregar o buquê para uma amiga, deficiente física. “Ao contrário do que disseram, podemos ter filhos. E vamos cuidar bem deles”, disse Cláudia. “A deficiência do Pablo é motora, apenas. E a de Cláudia não é genética. E mesmo que meu neto fosse deficiente, seria muito bem-vindo”, afirmou Eda.
A psicóloga enviou uma carta à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Recebeu um pedido de desculpas e foi orientada a procurar a Arquidioce de Niterói. Enviou duas cartas ao arcebispo dom Alano Maria. Nunca obteve respostas. Decidiu, então, processar o padre. “É uma questão educativa. Não quero que isso se repita com outras pessoas”, afirmou Eda.
Dom Alano não quis se pronunciar sobre o caso. A Assessoria de Imprensa da arquidiocese informou que “dificilmente” a decisão de Stawicki será revista. “Ao nosso ver o casal não tem condições de assumir matrimônio. São portadores de deficiência mental e certamente não se responsabilizam por eles mesmos”, afirmou o assessor de imprensa Cláudio Muniz.
Ele lembrou que o principal objetivo do casamento é a procriação. “Não sabemos se eles têm condições de ter filhos ou até mesmo de cuidar de uma criança”, afirmou Muniz. O padre Stawicki não foi encontrado.
Especialista em direito de família, o advogado Sergio Fisher disse que o Código Civil prevê a anulação da cerimônia se um dos noivos não tem capacidade de discernimento. “Se eles trabalham, têm independência, não vejo nenhum impedimento”. Ele lembrou que o Código Canônico é mais severo que o Civil. “Quem casa no religioso está sujeito a algumas regras”.
Fonte: Estadão