Cinco de 17 prefeitos presos na Operação Pasárgada relataram experiência ao G1.
Alguns leram a Bíblia. Outros reclamaram de cela precaríssima e da falta de televisão.
Conversar com a família por meio de grades, andar algemado, comer marmita de presídio, dormir em cela sem colchão e ficar sabendo de notícias pelos outros presos são algumas das experiências relatadas por cinco dos prefeitos que ficaram três dias presos na semana passada em razão da Operação Pasárgada, da Polícia Federal.
Dezessete prefeitos – 15 de Minas Gerais e dois da Bahia – foram detidos na quarta (9) e quinta-feira (10) acusados de integrar um esquema de liberação irregular de verbas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Foram soltos no sábado (12).
Os prefeitos são suspeitos de integrar um esquema que pode ter causado prejuízo superior a R$ 200 milhões aos cofres públicos. Segundo a PF, as investigações apontam que, sem licitação, os prefeitos contratavam um escritório de advocacia, que oferecia vantagens a juízes e servidores da Justiça para obter decisões favoráveis e, depois, dividia seus honorários com os prefeitos que o contratava.
Os investigados responderão por formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, tráfico de influência, advocacia administrativa, exploração de prestígio, fraude a licitação, quebra de sigilo de dados e lavagem de dinheiro. As penas podem chegar a 20 anos de prisão.
No presídio
Nove prefeitos mineiros foram alojados de dois em dois no presídio Nelson Hungria, em Belo Horizonte. Entre eles estavam Demetrius Arantes Pereira (PSC), de Divinópolis; Júlio Cesar de Almeida Barros (PT), de Conselheiro Lafaiete; Geraldo Nascimento (PT), de Timóteo; e Ademar José da Silva (PSDB), de Vespasiano.
O prefeito de Conselheiro Lafaiete narrou que aos prefeitos mineiros em Belo Horizonte não foi concedida televisão e, portanto, eram os presos das outras celas que contavam, por meio das grandes, o que a mídia divulgava.
“Eles (outros presos) tinham TV e contavam o que passava. Era assim que ficávamos sabendo. (…) Nos chamavam de pessoal da Federal, falavam que íamos ficar pouco tempo presos porque tínhamos instrumentos jurídicos. Eles sentiram o máximo. Ficavam falando dos problemas deles.”
A experiência da prisão, segundo Júlio Cesar de Almeida Barros, pode ser comparada a um “tsunami”. “Eles invadem sua casa e você é levado algemado. Passa por um depoimento de oito horas. Da PF, é transferido para um presídio. Chega lá e a marmita, que geralmente é servida às 11h, atrasa. Os demais presos ficam revoltados. Parece que foi orquestrado. A cela não tinha água quente, não tinha colchão, sente frio e não tem cobertor. Fica impotente. Alguns desabam, ficam chorando. Outro fica com pressão alta”, contou Barros.
O prefeito de Conselheiro Lafaiete disse ter levado quatro livros para o presídio e não ter lido nenhum. “A maioria ficou conversando muito do processo. Cada um falando das ações dos advogados.”
Para Barros, alguns dos prefeitos devem entrar com ações de perdas e danos. “Eu não (devo entrar com recurso). Tenho visão para frente. Que a vida vai continuar. Que a experiência sirva para mim, embora eu não tenha cometido erros. Que sirva para mostrar que devo ficar mais atento aos contratos, no dia a dia.”
Ademar José da Silva, de Vespasiano, foi o único mineiro preso fora do estado. “Eu estava em Brasília levando uma reivindicação. Quando soube que a PF estava aqui, resolvi voltar. Assim que cheguei no aeroporto, a PF me prendeu. Fui conduzido algemado, é o trabalho deles. (…) A gente não gostaria que acontecesse, ninguém gosta. Tivemos de ser tratados como todos os outros.”
Marmita de presídio
Silva afirmou que, quando chegou ao presídio, não sabia quem eram os outros presos. “Às vezes tinha comentário sobre o caso. Inicialmente eu não conhecia os outros prefeitos. Eu não sabia de onde eram, quais cidades. Depois ficamos sabendo (…) A gente comeu o que todo mundo lá come: arroz, feijão, carne, legumes”, contou. “Eu não gostaria de ter passado por isso (ser preso), mas a gente tem de erguer a cabeça e seguir em frente.”
O prefeito de Timóteo, Geraldo Nascimento, disse que a ação policial foi “desumana”. “Não tinha televisão. A cela era precaríssima, o local indecente, não teria condição de receber televisão. Minha família acompanhou o fato policial desumano e desnecessário com todo respeito às acusações e apurações da Polícia Federal.”
“Fui tratado sem privilégios, mas de maneira humana. Foram os piores dias da minha vida. (…) A lição que ficou muito forte é que todo dia anoitece. Anoitece lá dentro e anoitece lá fora.” Ele preferiu não dar mais detalhes sobre a prisão. “Essa situação eu bloqueei. Apesar de tudo, saí de cabeça erguida”, contou ao G1.
Montes Claros
Na cadeia pública de Montes Claros, a 420 quilômetros da capital mineira, ficaram seis prefeitos de cidades do norte mineiro, entre eles Claudemir Carpe (PT do B), de Rubim.
Ele relatou que teve a intimidade “abalada” com a prisão. “Eu estava em casa, e 6h15 tocou a campainha. (A PF) chegou entrando porta adentro e revirando tudo. Mexeram até na geladeira. Os meus filhos ficaram chocados. Não espero que aconteça isso com nenhum cidadão, ainda mais cidadão de bem”, disse Carpe. Ele afirmou que pode questionar judicialmente a ação porque sua “intimidade ficou totalmente abalada”.
Ele contou ao G1 que conversou com seu advogado e com a esposa por uma janela gradeada, “onde conseguia contato apenas pelas pontas dos dedos”.
Segundo Carpe, outros cinco prefeitos foram presos junto com ele. “No princípio não entendemos nada, temos tivemos acesso a jornais e no segundo dia eles liberaram uma TV.” “Nos assustava quando víamos que a prisão podia ser prorrogada ou que podia ser decretada prisão preventiva.”
Salmos
Segundo o prefeito, todos comeram a comida fornecida pelo presídio: “arroz, feijão, carne, às vezes frango. Por sinal, a comida não era ruim”. Carpe narrou que conseguiu uma Bíblia. “Li salmos para eles (outros prefeitos) e isso aí acalmou um pouco.” Ele diz também que emprestou a Bíblia para outros prefeitos.
Claudemir Carpe afirmou discordar da forma que ocorreram as prisões. “Sou cidadão a favor da Justiça. Mas traumatizar a pessoa a ponto de ficar como ficamos. Se fóssemos pessoas com antecedentes, a gente até entenderia. Temos endereço fixo, se eles intimassem, ninguém ia deixar de comparecer.”
Polícia Federal
Segundo a assessoria de imprensa da Polícia Federal de Minas Gerais, que coordenou a operação, “a ação tem de ocorrer com prisões simultâneas para evitar que os suspeitos destruam provas e não tentem fugir”.
Sobre os prefeitos que dizem que tiveram direitos violados, a assessoria da PF informou que “não é praxe da instituição desrespeitar os direitos básicos do cidadão, que consistem em saber qual o motivo da prisão, fazer contato com o advogado e com a família”.
A assessoria explicou que, se algum prefeito se sentiu lesado em seus direitos, deve solicitar ao advogado que entre com a medida judicial específica para o caso.
Fonte: G1