Brian McLaren é uma das vozes mais controversas do cristianismo contemporâneo. Se ele fala sobre teologia, interpretação bíblica ou como a Igreja deveria funcionar, sempre acaba irritando algumas pessoas. Portanto, é surpreendente que seu novo livro, Naked Spirituality [Espiritualidade desnudada], ele tente reunir algumas das coisas que ajudou a desconstruir.
RELEVANT: De todas as coisas que anda pensando e escrevendo hoje em dia, por que era importante para você publicar agora este livro sobre a espiritualidade desnudada?
McLaren: Fico muito contente por ter perguntado isso, pois acho que surpreendi algumas pessoas. Já havia escrito muito sobre as mudanças que estão acontecendo em nossa cultura e tratei de algumas mudanças de nossa compreensão do Evangelho, da teologia, do que a Igreja é e o que ela faz, mas muitas pessoas esquecem que fui pastor durante 24 anos. Toda semana eu pregava sermões e fazia aconselhamentos, ajudei pessoas a chegarem à fé em Cristo, fiz funerais, casamentos e todas as outras atividades.
O meu verdadeiro trabalho era o de ajudar as pessoas a ter e a desenvolver uma vida espiritual. É assim que via o meu chamado como pastor, então não sou apenas um teórico que fica tendo ideias o dia todo. Em minhas viagens acabo conhecendo muitas pessoas e elas me fazem perguntas. Tenho notado que, para muita gente, quando você retira delas seus conceitos pré-formatados da doutrina cristã, não sobra muita coisa. Não existe uma espiritualidade viva, resultante de um relacionamento profundo com Deus. Não há práticas que as ajudem a manter sua alma aberta e em contato com Deus. Foi isso que eu percebi. Então pensei: é sobre isso que preciso escrever. Queria abordar sobre como posso ajudar as pessoas a reconstruir o que deveria ser a sua base, mas que, seja por negligência ou algum outro motivo, simplesmente desapareceu.
R: O que você diria para aqueles que não tem forças para reconstruir? Por onde acha que deveriam começar?
McLaren: No livro proponho uma espécie de modelo, usando os quatro estágios do crescimento espiritual. O terceiro é algo muito desafiador, e o chamei de “perplexidade”. Muita gente chega nessa terceira fase e acaba ficando nela pelo resto de suas vida. Elas vivem nesse tipo de perplexidade, na qual os compromissos que tinham acabaram sendo desconstruídos e nada de novo surgiu dentre os fragmentos que sobraram. Entendo esse sentimento. Uma das coisas que isso me mostra é que não fizemos um trabalho bom o suficiente na primeira e na segunda fase, de estabelecer alguns dos alicerces da espiritualidade e da formação espiritual. Agora estamos colhendo as consequências disso.
Há muito mais para ser descoberto em nossa vida, na fé e na vida com Deus. Algo que vai muito além dessa fase. Se você desistir nesse ponto, acaba perdendo o que ainda está pela frente. Mas aqui é que está o problema. Não vivemos em um vácuo. Se não tivermos cuidado, o que acontece durante a perplexidade é que nos tornamos vítimas de um novo tipo de complacência. As pessoas acabam se tornando participantes inconscientes de um consumismo complacente. Você quer ganhar dinheiro, então acaba apoiando os sistemas que criam todos os tipos de guerras, para que assim continue se sentindo confortável. Por ser complacente, acaba aprovando um sistema que está operando em todo o mundo e que acho extremamente prejudicial.
R: Por que as pessoas se sentem mais confortáveis dizendo que são espirituais, mas não religiosas?
McLaren: Gastei alguns capítulos refletindo sobre essa frase tão difundida. Sei que muitas pessoas zombam disso e dizem “ah, eu sou espiritual, mas não religioso” apenas como desculpa. Contudo, acho que é mais do que uma desculpa. Para muita gente, é uma declaração muito bem pensada. No meu livro, explico que as pessoas querem dizer quatro coisas, quando falam isso. Primeiramente, querem dizer: “Não acredito que a ciência, a política e a economia têm todas as respostas”. Mas eles também estão dizendo: “Não acredito que a religião organizada tem todas as respostas”.
Claro, o que elas entendem por “religião organizada” precisaria ser explicado, mas o que elas estão dizendo revela um sentimento generalizado de que seja o que for que a religião está fazendo, leva as pessoas para os fins errados. É organizá-las para ir à guerra uns contra os outros, é organizar essas pessoas para odiar os outros, apenas para criar um pequeno muro de onde podem jogam as outras pessoas para fora e pensam que ele as protege. Algo dentro dessas pessoas diz: “Não acho que seja disso o que estamos precisando”.
Dizer “sou espiritual, mas não religioso” significa que ninguém está oferecendo a essas pessoas uma maneira útil de focar sua fé. Essa é uma das grandes oportunidades, penso eu, para a igreja e para os ministérios de jovens. Podemos responder a essa fome espiritual legítima das pessoas e oferecer-lhes um estilo de vida, um caminho, uma maneira para desenvolver a sua vida com Deus, enraizada nas Escrituras e centrada em Cristo. Acho que essa é uma grande oportunidade e uma grande necessidade, podemos ajudar a dar uma resposta concreta.
R: Porque muitos cristãos temem qualquer coisa que possa estar relacionada com o movimento da Nova Era, porque você acha que os cristãos ficam com medo de usar a palavra “espiritual”?
McLaren: Muitas vezes os cristãos caem na mesma armadilha que muitas empresas caem bem antes de falir. As pessoas param de comprar seu produto e a primeira reação delas é perguntar: “O que há de errado com os nossos clientes?” Elas podem dizer: “O que há de errado com o nosso marketing?” Mas elas não param e perguntam: “O que há de errado com nosso produto?”
Acho que um dos problemas com nosso “produto” é que temos oferecido às pessoas (dependendo da denominação e tradição) apenas uma participação institucional, uma doutrina sistemática, ou mesmo cultos de domingo alegres e agradáveis. Mas não temos lhes oferecido as ferramentas da formação espiritual profunda. É por isso que muitos cristãos, sejam tradicionais ou pentecostais, acabam precisando visitar um mosteiro católico para aprender um pouco sobre essa tradição rica de práticas mais profundas, com uma abordagem mais contemplativa da vida cristã. Muitas vezes a opção de alguns cristãos é apenas ridicularizar a palavra “espiritual” ou ver tudo como uma conspiração da Nova Era… Infelizmente isso acaba apenas afastando mais as nossas igrejas de resolver o problema existente com a nossa abordagem da fé.