O jovem escritor Fábio Marton está embarcando no sucesso de vários livros de e para ateus, em “Ímpio: O Evangelho de um Ateu” o autor busca desacreditar as crenças em Deus e na doutrina evangélica através de sua experiência de vida na Igreja Assembléia de Deus durante a adolescência.
Se designando como o “primeiro pró-ateu brasileiro”, se equiparando a outros famosos militantes da causa anticristã no mundo, lança seu primeiro livro, publicado pela editora LeYa.
Em entrevista para o site Vice, o escritor conta histórias diversas, desde pregar no púlpito enquanto ainda era apenas uma criança até subir no telhado para ver o mundo acabar. Fábio também chama o seu antigo Pastor de “pistoleiro” e diz que o falar em línguas estranhas, conhecido como ser batizado no Espírito Santo nas igrejas pentecostais e neo pentecostais, é um farsa comprovada através de pesquisas científicas.
Entrevista com Fábio Marton sobre o livro “Ímpio: O Evangelho de um Ateu”
Vice: Você virou as costas pra Deus, então.
Fábio Marton: Sim.
Por quê?
Basicamente, é o seguinte: eu sou neto de um pastor da Assembleia de Deus, então a família inteira era crente pentecostal do tipo “sai capeta!”, milagres e tal. Daí já queria entrar porque, sei lá, eu admirava ele quando criança. Virei ateu com 17 anos de idade. Foi por conta própria, não teve nenhum mentor pra me guiar nisso. Eu simplesmente falei: “Ah, não acredito”. Mas também não vou dar um spoiler do que exatamente aconteceu, porque é uma coisa gradual que vai acontecendo ao longo do livro. Enfim, tive muitas experiências bizarras por ser evangélico: falei em línguas estranhas, o que na época achei ser um milagre. Também achei que tinha ganhado um dente de ouro de Jesus, subi no telhado pra ver o mundo acabar… Mas tem uma história por si, pra quem não tá interessado em religião. Eu era nerd pra caramba, vivia sozinho, de repente tudo ficou uma desgraceira… Então acho que tem mais coisas que simplesmente religião, uma coisa de desenvolvimento mesmo.
Como foi essa libertação?
No começo foi maravilhoso. As coisas começaram a dar certo, porque antes eu achava que tudo ia cair do céu. Foi muito alívio. Na verdade, eu tive umas recaídas, de ficar p da vida, xingar Deus… Mas agora não faz parte da minha vida, ficou esquecido já tem quase 16 anos. Mas ainda falo coisas tipo “pelo amor de Deus”, “Ai, Jesus!”. Tô nem aí. Ah, teve um negócio com uma prima também, mas isso foi depois, quando me livrei de Jesus.
Você entrou com dez anos, né?
Dez anos não na prima, na igreja. [risos] Na verdade acho que foi mais ou menos com oito, porque minha mãe era católica e meu pai estava afastado, aí quando eu tinha uns oito anos ele resolveu voltar. Só que achou um pastor muito louco, que fabricava munição pra revólver e tinha um stand de tiro. Isso foi em Osasco. Como falei na capa, eu nasci em Osasco, mas não tenho culpa disso. [risos] Metade da história se passa em Osasco e metade em Curitiba.
Mas teve alguma mágoa envolvida nesse abandono.
Não foi só isso, entende? É todo um processo de contradições, de pensar as coisas… Passei a adolescência super sozinho, tive tempo pra caramba pra pensar, então é toda uma sequência de coisas que levou a isso. Tem uma carga emocional sim, mas não foi simplesmente uma coisa impulsiva. Foram várias coisas que via que não estavam certas, que não estavam legais… Coisas que deram pra caber no livro, afinal. Mas foi um processo lento. Por que não virei ateu quando aconteceu a tragédia que está no livro? Porque não tava pronto pra isso. Foi um baita baque, uma grande desgraça, mas eu não tinha a concepção filosófica pra isso. É uma coisa filosófica virar ateu, não tem como virar ateu sem filosofia. No máximo você vira herege, sabe, enchendo o saco dos outros e ouvindo Marilyn Manson. É uma formação complexa, leva tempo.
E sobre a língua dos anjos, que é como chamam essas tais línguas estranhas…
Tem duas coisas. Primeiro, a Bíblia não menciona língua dos anjos porcaria nenhuma. Quando aparece Pentecostes, e é por isso que as igrejas são pentecostais, eles falavam línguas das pessoas, e as pessoas que eram estrangeiras reconheciam essas línguas. Isso é uma coisa. Outra coisa é que um estudioso americano, não lembro o nome dele agora, mas tá no livro, pesquisou línguas estranhas e descobriu que cada país do mundo, em cada região, fala uma língua estranha diferente. E ela sempre parece com a língua que as pessoas falam localmente, com os mesmos fonemas. Por exemplo: no japonês não existem várias letras, como o “V”, então você nunca vai ver um crente lá do Japão falando a letra “V”. A língua sempre se parece com a língua local, então existem várias línguas estranhas no mundo, cada país fala de um jeito. Ele conseguiu provar isso. A língua que eu falava, por exemplo, era uma que se falava nos anos 80 em São Paulo.
Pelo que eu vejo os pastores falando hoje, é diferente. Então eles já começaram a falar outra língua estranha. É um bláblábá de outras pessoas que você fala igual. E se você for reconhecido como um crente dentre eles e começar a falar, eles vão achar isso lindo — vão achar que você foi batizado pelo Espírito Santo, entendeu? Você também vai achar. Mas não tem nenhum mistério nisso.
Tá no livro que você chegou a ser mini pastor. Sim, subi pra pregar algumas vezes na igreja do pastor maluco e umas duas vezes na Assembleia de Deus. A igreja do pistoleiro tinha, sei lá, umas vinte pessoas. Era uma coisa minúscula. Mas preguei lá em cima. Não filmaram, né, não tinha YouTube nem nada mas eu ia lá e pregava.
Você era bom nisso?
Acho que eles consideravam bonitinho só, pra ser sincero. Eu era um moleque gordinho, nerd, com uma camisa social, pancinha apertada na camisa social. Era mais tipo “deixa eu apertar a bochecha do pastorzinho”. Não era uma coisa muito séria.
Aconteceu algum milagre durante as suas pregações?
Não, mas consegui ajudar a expulsar o demônio da minha mãe e também expulsaram um capeta meu uma vez.
Alguma hora você acha que pode acontecer algo que te faça voltar a crer?
Sei lá o que vou ser no futuro. Já mudei de muitas ideias, mas essa foi uma que não mudei. Quando era crente não sabia que ia virar ateu, então não posso te dizer isso. Aparentemente, por tudo o que eu penso hoje, acredito que não. Se eu tivesse achando que com certeza estaria achando tudo aquilo pelo resto da vida, ainda seria religioso. Ainda teria uma idéia imutável das coisas, que é tudo perfeito. Não, não tenho. Só não tenho motivo nenhum pra acreditar. Mas não defendo essa idéia com unhas e dentes e vou calar minha mente pra qualquer coisa que possa surgir em contrário. Não é assim que sou. Eu era assim quando eu era crente – ouvia argumentos pró-ateu e calava essas idéias na minha cabeça porque eram coisas do Diabo, mas não faço isso mais hoje.
Você chegou a ter outra crença antes?
Antes de virar crente, quando meu pai tava afastado da igreja, minha mãe me levou a uma mãe de santo. Sabia que mãe de santo era coisa do capeta porque meu avô era pastor e falava isso. É a parte que abre o livro — que, aliás, dá pra ler de graça na internet. E sei lá, eu tinha sete anos, e na minha cabeça tava disputando com a mãe de santo. Ela mandava as energias macumbeiras pro meu lado e eu mandava as energias de Jesus pro lado dela. Ficava rezando pra Jesus, pedindo pra ele me proteger da macumbeira. Até que ela falou: “Esse menino tem fé”. Pensei: “Haha, te peguei. Jesus é mais forte que suas macumbas”.
Afinal, é um livro contra o cristianismo?
Eu dou o meu lado da história. Um menino pastor que virou ateu. Não acho que o cristianismo seja uma praga intelectual que vai destruir e tal, que o cristianismo seja igual à Inquisição. Você não entende o mundo Ocidental sem o cristianismo, e não só coisas ruins surgiram dele. A filosofia Iluminista é o cristianismo 2.0. Você pega coisas do tipo “amais uns aos outros” e transforma de maneiras filosóficas. Não sou contra o cristianismo, mas acho que ter uma religião cristã é desnecessário, justamente porque o cristianismo foi recriado enquanto filosofia. Você não precisa de Deus pra ser bom, não precisa de religião pra ser um cara decente. Só que não consigo ser cristão – não consegui ser – e acho que é perda de tempo ficar discutindo as coisas que eles discutem. Pra mim é só uma mitologia, é isso. E vejo todas por igual. Umbanda e Jesus, por exemplo, é quase a mesma coisa, só com uma moral diferente – na Umbanda você pode escolher o lado da força, por exemplo.
Enfim, o que você acha que os pastores, tipo o Malafaia, vão achar do livro?
Queria que eles queimassem, uns dois mil de preferência. Mas quero que eles comprem pra poder queimar. [risos]