Na capital considerada de todos os santos, as religiões evangélicas, que descartam a adoração de imagens, são as únicas que crescem em Salvador, principalmente entre as famílias com renda igual ou inferior a um salário mínimo. O contra-senso aparente é respaldado na comparação entre os censos demográficos de 1970 a 2000, que mostram a quadruplicação nesse segmento. Mesmo com uma defasagem de oito anos dos dados, a pesquisa aponta a força dos evangélicos nas classes de baixa renda e a migração de católicos para as religiões chamadas neopentecostais. No mesmo período, os católicos encolheram 33 pontos percentuais em Salvador, reduzidos de 93,1% para 60,5%.
O crescimento dos evangélicos só é inferior ao boom da categoria dos sem-religião, que aumentaram a participação na sociedade soteropolitana em quase 15 vezes, saindo de 1,3% para 18,1%. Outro dado surpreendente é a participação dos adeptos de candomblé e umbanda, que não alcançam 0,5% da população. Os estudiosos consideram que esse índice é mascarado pelo sincretismo religioso e pelo patrulhamento histórico contra religiões de matriz africana.
Uma análise da curva mostrada pelos censos de 1970 a 2000 (última contagem oficial, realizada a cada dez anos), feita pelo o engenheiro civil e professor de matemática Rubem Soares, mostra que o censo de 2010 deve apontar quase 600 mil evangélicos em Salvador. “Mantendo-se a tendência, tanto em termos percentuais como absolutos, a perspectiva é de que Salvador tenha 50% de católicos e 19% de evangélicos”, sugere Soares. Com a projeção de três milhões de habitantes em Salvador daqui a dois anos, os números absolutos seriam 1,5 milhão de católicos e 570 mil evangélicos. “Isso me parece muito claro porque as curvas são uniformes”.
A estimativa não leva em conta aspectos estritamente matemáticos e desconsidera fatores como o impacto da evangelização por meios de comunicação como emissoras de televisão e rádio, além de jornais. Em oito anos, a própria paisagem urbana da capital foi modificada de acordo com a mudança no perfil da fé dos soteropolitanos. A construção de catedrais evangélicas tão imponentes quanto as seculares igrejas católicas é o resultado arquitetônico mais à vista. Além disso, a massificação dos missionários e obreiros e um mercado próprio para atender a este público são apontados como resultados imediatos.
Candomblé – Os especialistas consideram os números que retratam a quantidade de fiéis do candomblé e da umbanda em Salvador como incógnitas, por fatores como o sincretismo religioso e o preconceito histórico. Há um consenso de que os resultados da pesquisa do IBGE retratam uma população que não se sente confortável em se declarar simpatizante do candomblé. Em Salvador, por exemplo, o censo do ano 2000 contabiliza 11.959 adeptos de religiões de origem africana, representando 0,48% da população da capital.
É um número incompatível com o mapeamento dos terreiros na capital, concluído em 2007, que encontrou 1.165 casas voltadas para o culto na cidade, número maior do que o de igrejas católicas. Seria como aceitar que cada terreiro em Salvador consegue atrair apenas dez praticantes do culto.
Uma das pistas para entender esses dados pode ser a dificuldade em falar abertamente sobre as crenças. “O tema religião não é de fácil resposta. No caso da Bahia, em particular, o fato de a umbanda ter se desenvolvido entre negros escravos tornou uma religião que as pessoas precisavam esconder. Esse patrulhamento gera preocupação por conta da memória histórica”, pondera o coordenador de disseminação de informações do IBGE na Bahia, Joilson Rodrigues de Souza. Para ele, a tendência é de que os números ligados ao candomblé aumentem em termos absolutos e relativos no próximo censo a ser realizado no ano de 2010.
A retrospectiva do perfil religioso na Bahia mostra que, a partir da década de 1980, a Igreja Católica apresentou uma queda no número de fiéis a índices próximos a 10% por década.
Em Salvador, a perda foi ainda mais acentuada. Em 1970, os católicos representavam 93,5% dos soteropolitanos. Dez anos depois, o percentual caiu para 88,8% e no censo seguinte, em 1991, chegou a 75,2%. No ano 2000, o percentual caiu 33 pontos em relação a 1970, para 60,3%. No mesmo período, os protestantes (denominação genérica usada na década de 70 para igrejas que não fossem católicas) saltaram de 3,5% para 13,3% na capital, já divididos em grupos como evangélicos de missão e neopentecostais.
O primeiro censo que mostra a presença de protestantes na Bahia data de 1896. Na época, o segmento representava apenas 0,09% da população, com 1642 fiéis no universo de 1.919.802 baianos. Em 1940, o número já tinha aumentado para 30.382 adeptos no estado, representando 0,76% da população.
O mais impressionante, no entanto, é a escalada dos que se autodenominam como os sem-religião. Os agnósticos, que representavam tímidos 1,2% da população de Salvador, em 1970, chegaram ao ano 2000 somando 18,1% dos moradores da capital, cuja imagem é associada a uma terra de misticismo. Em números absolutos, são nada menos do que 445 mil pessoas – mais do que todo o estado de Roraima – sem esboçar qualquer tipo de crença religiosa.
Fonte: Correio da Bahia