“É dever da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
O 4º artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa hoje 17 anos, e a Constituição Federal deixam claro a premissa de que as crianças e adolescentes são prioridade absoluta desde o seio familiar às políticas públicas nacionais. Nessa perspectiva, o governo garantiu, após mais de 15 anos de discussão, a implementação da classificação indicativa, medida que regula o conteúdo e teor da programação dos veículos de comunicação com faixas horárias adequadas.
Dada a pressão da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e setores importantes da sociedade, a classificação ficou nas mãos dos veículos. Porém, cabe ao Ministério da Justiça e à sociedade como um todo verificar se a medida está sendo respeitada. “É um momento crucial este que vem agora, pois as emissoras pediram um voto de confiança e o receberam. Agora, teremos que nos mobilizar fortemente para policiar a programação e garantir que ela não fira os direitos das crianças e adolescentes do país”, explica Veet Vivarta, secretário da Agência Nacional dos Direitos da Infância (Andi), que pressiona há anos a promoção da medida. Nos próximos dois meses, o Ministério da Justiça verificará a programação e, se necessário, acionará o Ministério Público para que as medidas necessárias sejam tomadas.
Para Cenise Monte Vicente, coordenadora do escritório regional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) de São Paulo, a necessidade da classificação é premente. “Devemos lembrar que as crianças brasileiras ficam mais de quatro horas por dia na frente da TV. As emissoras argumentam que a responsabilidade é da família, como se as crianças ficassem o tempo todo com seus pais”, pondera.
Vivarta acredita que mesmo não sendo o ideal, a portaria assinada tem méritos claros. “A medida garante a veiculação do conteúdo adequado para os horários e prevê as diferenças de fuso horário. No horário de verão mais de 20 milhões de crianças e adolescentes seriam afetadas pela programação imprópria”, observa. “Outro ponto é a reexibição de programas, como uma novela que primeiramente passou depois das 22h e depois passa novamente, às 15h, no Vale a Pena [da Rede Globo]”, complementa Vicente.
Sobre o fato da medida ser auto-controlada pelas emissoras, Vivarta se preocupa, mas vê o momento como um divisor de águas. “Se der certo, como nos países mais maduros politicamente, teremos a união ideal entre Estado, sociedade civil e responsabilidade empresarial”, comenta, citando vários países europeus e os vizinhos Argentina e Chile que, segundo ele, transcenderam o debate sobre censura e avançaram para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes.
Para ele, os pais, o governo, as agências de promoção dos direitos da infância e as campanhas contra baixaria na mídia devem trabalhar conjuntamente. “Porque se as emissoras quebrarem com esse voto, aí saberemos claramente que não há intenção por parte de determinado segmento de trabalhar na construção de uma sociedade responsável”, admite.
Alexandre Le Voci Sayad, secretário executivo da Rede de Comunicação, Educação e Participação (CEP), acredita que embora ainda haja necessidade de avanço na medida, o debate em si é bastante significativo. “A rede acredita que enquanto a questão estiver direcionada à proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes ela será valida. Tratar o tema como uma questão de interesse público é fundamental”, diz.
Porém, na visão da Rede, o fato das emissoras de televisão exercerem a auto-classificação é problemático. “Entendemos que estamos em um processo de consolidação da democracia e que os veículos se sintam ameaçados pela medida. Mas é preciso avançar no debate e cada vez mais tratar a questão como central pela sociedade”, conclui Sayad.
Fonte: Editora Ultimato