O Reverendo Billy não é um pastor de verdade, é um ator. Sua igreja, a The Church of Life After Shopping [Igreja da Vida Pós-Compras], não é de fato uma congregação religiosa. Quando vai a uma loja do Starbucks e encena exorcizar uma máquina registradora, Bill Talen (seu nome verdadeiro) não expurga espíritos ou qualquer sorte de demônio do aparelho que colhe os lucros da empresa. Billy diz sim lutar contra o diabo, mas ele não é um anjo caído: chama-se Mickey Mouse.
Hoje a igreja de Bill faz palestras sobre como lutar contra o diabo em pequenas comunidades, teatros e igrejas. O mote principal de seu ministério, como sugere o nome, é lutar contra o consumismo e informar as pessoas de que suas compras têm impactos globais. Nos workshops e campanhas da igreja, as pessoas aprendem a dar valor à economia local e a procurar saber como são feitos os produtos que se consome. Sua equipe oferece também aconselhamento para os que querem se livrar das dívidas do cartão de crédito. Martin Luther King, Malcom X, o brasileiro Augusto Boal (dramaturgo fundador do Teatro do Oprimido), são algumas das bases da The Church of Life After Shopping. Os métodos não ortodoxos do pastor renderam um documentário em 2005 sobre seus happenings, What would jesus buy?, dirigido por Morgan Spurlock (deSupersize me).
No ano passado, Billy fez uma turnê pelo Reino Unido com sua Shopocalypse Tour; já protestou contra a impressão dos catálogos da Victoria’s Secret [que desperdiçam muito papel, segundo Billy]. Munido de seu megafone, seu coral (que pode ter até 45 pessoas, dependendo da ocasião) e das palavras “divinas” contra o consumo exagerado, o Reverendo já foi preso cerca de 50 vezes por perturbar a ordem pública.
Inspirado pelos pastores de rua que discursam aos berros pelas ruas de grandes cidades, o Reverendo resolveu adotar seus maneirismos e começar o exorcismo contra Walt Disney, que há 10 anos investiu pesadamente contra os arredores da Times Square, em Nova York. construindo grandes lojas e enchendo os teatros da Broadway de peças baseadas em seus filmes. As prostitutas, os mendigos e os vendedores foram retirados das ruas e presos, justamente as pessoas mais interessantes do bairro, segundo ele. Oscilando entre ativista e pastor, o Reverendo Billy conversou por telefone com a Trip, de Nova York. Ora dava gritos, como se desse um sermão, ora bradava contra os bancos de Wall Street. Chamando o repórter pelo nome o tempo todo, ofereceu batizar seus futuros filhos via Skype, depois de explicar que o diabo tem muitas faces no capitalismo.
De onde vem o seu gospel?
Subcomandante Marcos, Walt Whitman, Malcom X, muitas fontes. Um dos nossos heróis é brasileiro, Augusto Boal. Ele é muito importante para o nosso trabalho.
Como sua igreja começou?
Eu morava perto da Times Square em Nova York e a polícia sempre prendia as pessoas mais interessantes do bairro. Personagens que ficavam fazendo discursos na calçada, a prostituta com coração de ouro e vendedores de falafel e hot dogs. Elas estavam sendo levadas. Você sempre ouvia: “O Sammy está na cadeia, o Gene foi levado a um abrigo”. Acontece que as empresas Walt Disney, o Mickey Mouse, estava se mudando para o nosso bairro e a polícia de [Rudolph] Giuliani, o prefeito então, estava prendendo as pessoas em cooperação com Mickey Mouse. Estavam construindo teatros Disney, com peças Disney e lojas Disney com todas aquelas coisinhas e o Mickey Mouse estava construindo uma estátua na Times Square. A Times Square é também um lugar com muitas criaturas na calçada pregando coisas do tipo “fogo e enxofre”, fundamentalistas de direita.
Eles estavam sendo presos também?
Eles deveriam ter sido presos [risos]! Eu comecei a estudar e imita-los na frente da loja da Disney, há 10 anos, e comecei a pregar [levanta a voz e fala como pastor]: “Mickey Mouse é o anticristo, crianças! Eu quero que vocês afastem suas famílias deste templo da desigualdade! Não há nada além de produtos feitos em sweatshops nestas prateleiras!
E o que aconteceu?
Quando meu dei conta, havia uma multidão um volta de mim, e algumas pessoas estavam batendo palmas e cantando. Agora eu tenho um coral de 40 vozes.
As pessoas começaram a cantar espontaneamente?
Sim. Elas batiam palmas. Como num culto do domingo. Depois de um tempo, passávamos o microfone pelas pessoas e elas discutiam o consumismo, como as corporações estão dominando nossas vidas. Aqui na Times Square, eles estão transformando o espaço público internacional num shopping gigante e isso está acontecendo no mundo todo. Tem todo tipo de gente na Times Square, pessoas do Brasil, Japão, Rússia e elas contam que isso acontece no país delas também.
Desde que você fundou a Church of Life After Shopping, você virou um pastor em tempo integral?
Sim, Savitry D. [sua esposa] e eu nos casamos perto do 11 de Setembro e ela é diretora de teatro. Algumas de nossas performances são no palco, como uma peça interativa, baseada num culto, uma performance gospel empolgante. Ativistas locais sobem ao palco e falam sobre como resistir ao consumismo, crianças são batizadas para uma vida além das compras… Se você tiver filhos, traga-os a Nova York. Ou eu posso fazer um batismo via Skype, não tem problema. O consumismo está nos atacando por todos os lados e temos de ajudar uns aos outros.
The Church of Life After Shopping do Reverendo Billy no Starbucks
O anticristo é o Mickey?
Há um sistema de alternância de diabos. Agora, são os bancos de Wall Street que financiam o carvão sujo. Nós temos um processo de mineração que é chamado mountain top removal, no qual basicamente eles explodem uma montanha e deixam as pedras e resíduos de lado para chegar ao carvão. É ruim para o clima, envenena as pessoas das comunidades locais. Esses bancos são o diabo do momento, o JPMorgan Chase. Nós vamos juntar a sujeiras da West Virgina, vamos aos lobbies dos bancos [que financiam esse tipo de mineração] e vamos fazer como o Richard Dreyfuss no [filme] Contatos imediatos de terceiro grau, vamos ficar fazendo montanhas. Mas acho que somos mais famosos por exorcizar o demônio das caixas registradoras do Starbucks.
Por que vocês fazem isso?
Nós fazemos um ritual que surpreende as corporações e que elas vão lembrar. As corporações são muito bem-guardadas, tentamos chamar a atenção. Eles querem que você escreva uma carta [risos]. Se você coloca sua mão na máquina registradora e a outra no ar e fala com um Deus desconhecido – nós mudados o nome do nosso Ser Supremo todo dia para nos mantermos longe de confusão, não queremos ser fundamentalistas. Só de me ver através da câmera de segurança faz o vice-presidente da Starbucks pular da cadeira. O Starbucks é como o banco Chase-Manhattan, são uma companhia que convenceu muitas pessoas progressistas dos EUA de que eles são uma boa companhia. Na verdade, eles são conservadores, é como os Clintons.
Como eles conseguiram convencer as pessoas de que são uma boa empresa?
Eles têm técnicas de marketing muito boas – o Starbucks sempre tem um anúncio de página inteira noNew York Times, todo verde… Mas de fato, eles não são uma companhia que negocia com justiça. Nos leilões de grãos de café, segundo as nossas evidências, eles são brutais, não pagam o suficiente. Eles são brutais, as famílias que levam os grãos ao mercado frequentemente têm filhos desnutridos. Eles desafiam a classe média consumidora em certos países ocidentais, especialmente nos EUA e na Europa, eles saturam com marketing mesmo aqueles que possam ter uma posição política que demande mudança. Nos anúncios você vê camponeses felizes perto do seu pé de café.
Quantas vezes você foi preso?
Cerca de 50 vezes. Geralmente só fico preso até o dia seguinte ou por algumas horas, às vezes só tenho que ficar sentado na viatura por um tempo.
Do que eles acusam você?
Eles têm muitas acusações: conduta desordeira, interrupção de negócios, invasão de propriedade…
Quantos membros tem sua congregação?
Temos seguidores pelo mundo todo. Eu assumi o papel de “palhaço-herói” por resistir ao consumismo, aos grandes shoppings, às lojas de departamentos.
Como se faz isso? Como se evita o consumismo, como você resiste a um shopping no seu bairro? Nós oferecemos aconselhamento que diminui o consumo. Temos um ritual na nossa igreja no qual uma mão está no ar e a outra no produto com a celebridade piscando para você no rótulo e prometendo que vai fazer sexo com você. [Aumenta o tom de voz] Calma! Provavelmente, eu não posso provar, provavelmente, aquela celebridade não vai dormir com você! É possível que você não transe quando pagar dezoito dólares pelo produto! [Mais calmo] Tentamos desacelerar o processo porque ele é ameaçador e diz que você não vai fazer sexo se não comprar o perfume. E, ridiculamente, esses produtos são quase sempre tóxicos, fabricados a partir de petróleo e químicos que vão do seu corpo para a terra, especialmente os que vêm de longas distâncias, nessa economia global neoliberal, que é um desastre ecológico. É necessário enviar coisas a longas distâncias, mas precisamos encontrar um equilíbrio. As pessoas precisam descobrir que a comida pode ser encontrada localmente, a energia também, e gradualmente poderemos nos afastar do sistema centrado no combustível fóssil. Isso demanda uma mudança de estilo de vida, mas a Terra está mandando sinais. Precisamos de mudanças; na nossa igreja dizemos: “Change-alelujah [mudança-eluia]!
Sua igreja oferece orientação financeira?
Sim. Os cartões de crédito – especialmente no Natal – são terríveis, você paga 25% de juros a bancos, geralmente de Wall Street. Agora, por causa da crise mundial, é sabido o que esses bancos fazem com o dinheiro, o zé-ninguém na calçada sabe o que eles fazem. É uma boa idéia sair do cartão de crédito porque seu dinheiro encolhe em 25 por cento. Por motivos éticos e políticos você não deve usa-los, porque eles mostraram o que fazem com dinheiro. O consumismo envolve causas políticas da direita, dar dinheiro aos sweatshops, às companhias que exploram carvão sujo. É uma emergência da Terra em proporções que não conhecíamos antes. Eles não conseguiram fazer nada em Copenhague. As corporações controlam os governos; temos de parar essas empresas e indústrias que destroem as comunidades e fazem a industrialização da pesca e da agricultura. A economia baseada nas corporações não é sustentável. Na The Church of Life After Shopping tentamos fazer as pessoas entenderem isso da nossa maneira, que é cômica e espiritual ao mesmo tempo. Queremos que as pessoas comuns assumam a responsabilidade de resistir controlando como elas gastam seu dinheiro.
Você notou um aumento no seu rebanho depois da crise econômica mundial? Absolutamente. Katrina e Rita, os dois furacões, foram um grande passo [para o aumento]. Os americanos estavam vendo que… Eu não deveria dizer “americanos” porque vocês também são americanos, devo dizer que nos Estados Unidos nós vimos um furacão de categoria um [a menor] causar aquilo porque aumentamos em dois graus a temperatura do México devido aos nossos fertilizantes. Foi como se a Terra estivesse revidando contra as empresas petrolíferas dos EUA, ali no Delta do Mississippi. As pessoas viram as imagens de grandes ondas empurrando plataformas de petróleo, de 18 veículos utilitários, lado a lado, tentando escapar de Houston, no Texas. As imagens fizeram os cidadãos pensar que suas compras têm conseqüências. O marketing diz que nós só compramos o produto e que isso não gera nenhum impacto. Ele nos protege de fazer a pergunta: “Espere um minuto: quem fez esse produto?”. “O que tem nesse produto, qual recurso da Terra está neste produto?”. No meu país, você é ensinado a não fazer essas perguntas.
Qual foi a maior conquista da sua igreja?
Nós ajudamos as pessoas a celebrar um novo tipo de Natal, parcialmente porque Morgan Spurlock, do filme Supersize me, fez um filme sobre nós chamado What would Jesus buy?. Esse é o nosso manual de instruções visual. As pessoas se inspiram a vivenciar uma experiência com suas famílias e fazem as compras nos comércios da vizinhança, localmente. [Grita] Local-luia, crianças! Local-luia! Ande até o presente que você vai comprar, ou talvez vá de bicicleta. Você não tem de ficar preso no engarrafamento para ir até o shopping.
O que mais você gostaria de dizer, Reverendo?
Tudo se resume a uma escolha pessoal. Eu sei que assim que você sair do prédio da sua revista, você dará de cara com o diabo. Eu quero que saiba que estamos todos com você. [Grita] Todos nós pecamos, todos compramos demais! Mas eu sei que você pode resistir à tentação que invade seus sentidos!
Amém!
Fonte: TRIP / Gospel+
Via: Pavablog