Uma campanha de marketing do Corinthians que tentou equiparar o clube a uma religião e enaltecer a “fé” de seus torcedores no escudo do time foi o suficiente para um advogado evangélico virar “bandeirinha” e abandonar a paixão no alvinegro para torcer para o principal rival, o Palmeiras.
A rivalidade entre os dois clubes supera um século, já que o Corinthians, fundado em 1910, abrigava grande parte dos apaixonados por futebol na capital paulista no século passado. Um racha no comando do clube levou à fundação, em 1914, do Palmeiras, que à época se chamava Palestra Itália.
A campanha de marketing criada pelo Corinthians foi idealizada pelo economista Luís Paulo Rosenberg, diretor do time, com a ideia de criar o “corinthianismo”, uma espécie de religião que tem o clube como centro de fé do torcedor.
Para o professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP) David Teixeira de Azevedo, criminalista com clientes na Operação Lava-Jato, isso foi suficiente para faze-lo trocar de time.
Zombaria
Azevedo não é afeito a mudanças ou aventuras. Casado com a mesma mulher há 40 anos, nunca mudou de profissão, não aspira cidadania em outros países e aplica esse princípio à sua fé. Membro de uma Igreja Batista, considerou o marketing elaborado por Rosenberg uma zombaria.
“Sou palmeirense noviço”, declarou Azevedo, dizendo que a troca de time é coisa recente e a gota d’água foi o vídeo que promovia o “corinthianismo”, mostrando imagens inspiradas em passagens do cristianismo.
De acordo com informações do jornal Folha de S. Paulo, uma das cenas mostrava um torcedor atravessando o gramado carregando uma cruz nas costas. Em outra, um corintiano era pregado de braços abertos no travessão do gol.
Dentro da estratégia de marketing, o ex-jogador Sócrates, morto em 2011, foi elevado ao patamar de santo do “corinthianismo”, com sua imagem ocupando o centro de um altar com velas e um terço.
“A campanha zomba da minha fé. Um clube que lança uma propaganda desse modo, se apropriando desses valores, dessas crenças, faz uma campanha de um conteúdo fundamentalista misturando religião com futebol. São dois temas que por si só são nitroglicerina. Você juntar os dois é para explodir”, argumentou Azevedo.
“Não faz sentido eu ficar torcendo para um time que não bate com os valores superiores da alma, com as minhas convicções mais especiais. Não vale ficar com um time que zomba da minha fé, que escarnece dos meus símbolos”, explicou.
Gaviões
O jurista já estava bastante ofendido com a campanha do “corinthianismo” quando a principal torcida organizada do clube, Gaviões da Fiel, usou a figura de Jesus Cristo num enredo que falava sobre a luta do bem contra o mal. Parte do desfile mostra o diabo derrotando a figura do Filho de Deus.
“A Gaviões da Fiel mostra o diabo vencendo e Jesus sangrando no chão. O diabo em cima com o tridente vencendo Jesus. Eu não podia aceitar aquilo”, protestou. Azevedo, porém, não foi o único a se incomodar com a escolha irresponsável dos carnavalescos: entidades religiosas protestaram contra a campanha do “corinthianismo” e o tema da escola de samba.
A polêmica cresceu tanto que se tornou um dos fatores que acabaram derrubando do cargo o diretor de marketing do clube, Luís Paulo Rosenberg.
“Foi aí que eu decidi não torcer mais para o Corinthians”, disse Azevedo, que escolheu o Palmeiras por um motivo familiar: seu pai é palmeirense.
Alviverde
David Teixeira de Azevedo, 61 anos, é filho de Irland Azevedo, 85, pastor da Igreja Batista que também atuou como professor na Faculdade Teológica Batista de São Paulo.
Ambos nasceram no Rio de Janeiro e se mudaram para São Paulo no início dos anos 1970. Na época, o pai torcia para o Fluminense, e o filho, para o Flamengo. Na capital paulista, acharam por bem mudar de time para continuar participando ativamente do mundo do futebol.
Irland escolheu o Palmeiras, que na época tinha um time apelidado de Academia de Futebol, por causa da beleza com que o time jogava e vencia campeonatos. “A escolha pelo Palmeiras foi por causa do verde da camisa, igual a uma das cores do Fluminense. Foi uma afinidade cromática”, contou o veterano pastor.
O filho, que depois se tornaria advogado, escolheu o Corinthians, que à época vivia um jejum de títulos, que ao todo duraria 23 anos. E a escolha não foi baseada nas cores, como o pai fez: “O time estava na fila, mas era o mais popular, com maior torcida. Era um pessoal que gostava de jogar futebol. Eu sempre gostei de jogar futebol”, relembrou.
A torcida pelo time de Itaquera durou quatro décadas. Eram oito camisas do clube na gaveta, mas diante da frustração, doou todas aos seus colegas de futebol, também evangélicos. “Sou um pecador que encontrou um bom caminho depois do amargo arrependimento após uma vida inteira em pecado abominável”, disse, fazendo piada.
Apesar do desgosto, Azevedo acredita que dá para conciliar fé e futebol: “Uma coisa é cada um mobilizar as forças espirituais a favor de seu time. Então eu vou ajoelhar aqui para fazer o meu time ganhar a final, o muçulmano vira para Meca. Isso é uma coisa completamente legítima. Agora, o time querer transformar-se em objeto de fé é uma coisa completamente diferente. Isso não pode”, argumentou.
O pai, satisfeito, ignora o passado do filho: “Ele agora está no bom caminho”, finalizou o pastor, sorridente.