O escritor Paulo Schmidt está lançando o livro Cogumelo Jesus e Outras Teorias Bizarras sobre Cristo (Editora Harper Collins), que se dedica a desconstruir boatos acerca da vida e ministério de Jesus Cristo. O autor aponta o Filho de Deus como o personagem histórico que mais sofreu com boataria ao longo dos séculos.
“Pode-se dizer que Cristo foi, e continua sendo, uma das maiores vítimas de fake news da história”, disse o autor em relação à infinidade de histórias sem fundamento que surgiram e continuam aparecendo ao longo de dois milênios.
Na entrevista à revista Veja, Schmidt entende que a fábrica de notícias falsas atual é muito semelhante às boatarias que envolveram o nome de Jesus e se espalharam entre as diferentes culturas e sociedades desde sua morte e ressurreição.
“A fórmula é a mesma, de misturar informação falsa com uma ou outra verdadeira, mas tirada do contexto, e assim passar a impressão de que o conjunto faz sentido”, explicou o escritor, que em seu livro aborda teorias bem conhecidas, como a de que Jesus e Maria Madalena se casaram e tiveram filhos, por exemplo.
Há, ainda, outras menos conhecidas, como a que sugere que o pai biológico de Jesus seria um centurião romano. De todas, a mais fantasiosa é a teoria que prega que Jesus não existiu, mas seria fruto de uma viagem alucinógena dos apóstolos sob o efeito de um cogumelo. De tão absurda, essa tese – repleta de incongruências e malabarismos morfológicos, que partiu de um cientista até então respeitado – virou título do livro.
Para o escritor, a invenção de histórias sobre Jesus tem dois motivos principais: desmerecer as crenças cristãs através da banalização da figura do Cristo; e ganhar dinheiro, como aconteceu com o autor Dan Brown, que publicou a ficção O Código Da Vinci, e ganhou muitos milhões com o livro e o filme.
O filósofo Luiz Felipe Pondé acredita que há uma terceira motivação na criação de boatos: “Para quase todo o mundo ocidental, o nome de Jesus é sagrado, e sagrado é sinônimo de poder. Queremos que o sagrado caiba em nós mesmos, para que possamos parecer com ele, de alguma forma. Jesus já passou por tantas adequações a contextos e visões de mundo que não vou me espantar se, daqui a pouco, ele virar um algoritmo”, ironizou.
Para o historiador André Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma certeza é possível ter: Jesus realmente existiu. Essa conclusão surge de uma constatação por vias indiretas, chamada múltipla atestação, que é considerada prova científica, pois dois ou mais autores, que nunca tiveram contato algum entre si, descrevem fatos sobre um terceiro, atribuindo-lhe até frases inteiras e quase idênticas.
“A ausência de documentação não impediu que as pessoas acreditassem em Cristo. O próprio Sócrates nunca escreveu coisa nenhuma e ninguém deixou de considerá-lo um grande filósofo”, argumentou Chevitarese.
Confira algumas das fake news sobre Jesus que o livro desmonta:
A marca do Pantera
Teoria: Jesus era filho bastardo de um soldado romano chamado Pandera ou Pantera. O boato, um dos primeiros sobre Cristo, partiu dos rabinos fariseus que ele criticou. No Talmude, compilação de textos de estudo do judaísmo que estava sendo organizada na época, Jesus é frequentemente chamado de Yeshu ben Pandera — ou Pantera, como aparece em textos pagãos da mesma época.
Desmonte: não havia soldados romanos na região quando Jesus nasceu. De qualquer forma, dificilmente um filho bastardo teria permissão para entrar em uma sinagoga. Acredita-se que a cisma com o sobrenome “Pandera” seja fruto de uma confusão intencional com a palavra “Parthenos”, que significa “virgem”.
Homossexualidade
Teoria: Jesus teve um caso com seu amigo Lázaro, a quem teria pedido que se encontrasse com ele para passar a noite “usando um lençol de linho sobre o corpo nu”. Quem levantou essa bola foi o americano Morton Smith, com base em um manuscrito do século XVII encontrado em um monastério em Mar de Saba, no deserto da Judeia pelo próprio pesquisador. O texto que relatava a homossexualidade de Jesus foi atribuído ao teólogo cristão Clemente de Alexandria, que o citava como parte do “Evangelho Secreto de Marcos”.
Desmonte: antes que fossem realizados exames químicos no material, os tais manuscritos desapareceram. A única prova de sua existência eram as fotos tiradas por Smith. Anos depois, um estudo do texto revelou diferenças de estilo e caligrafia em relação às obras originais de Clemente de Alexandria. Para completar, um professor da Pensilvânia apontou as incríveis semelhanças entre a teoria de Smith e um romance inexpressivo chamado O Mistério de Mar Saba, publicado em 1940.
Casamento
Teoria: Jesus e Maria Madalena se casaram e tiveram filhos. O boato corria muito antes de O Código da Vinci, reforçado pelos escritos da chamada biblioteca de Nag Hammadi, um conjunto de escritos dos gnósticos, seita que conviveu com o cristianismo em seus primórdios e absorveu alguns de seus princípios. A fonte principal da teoria é o Evangelho de Felipe, presente na biblioteca, onde se lê que “a companheira do Salvador é Maria de Magdala. Ele a amava mais do que a todos os discípulos e a beijava frequentemente na boca”.
Desmonte: colocada em seu contexto, a interpretação cai por terra. Primeiro, os gnósticos eram contra a procriação e “companheira”, no caso, não tem nenhuma conotação conjugal. Segundo, beijo na boca, na época, era cumprimento comum.
Alucinação
Teoria: Jesus nunca existiu — era fruto de uma alucinação provocada nos apóstolos pelo consumo do cogumelo Amanita amuscaria, utilizado em rituais antigos (e, curiosamente, o mesmo que dá “vida” ao Super Mario, no videogame). Mais jovem do time de estudiosos recrutado para investigar os Manuscritos do Mar Morto, tesouro arqueológico descoberto em 1947, o britânico John Allegro não gostou do trabalho da equipe e resolveu publicar as próprias conclusões — com sabor de viagem alucinógena — sobre o que havia lido nos pergaminhos. Fundamentou a insanidade com interpretações amalucadas de termos da época.
Desmonte: ninguém levou a sério quando Allegro cismou que “Yaveh”, o nome judaico de Deus, significava “suco da fecundidade”, uma forma educada de dizer sêmen — o produto do cogumelo de formato “fálico”.