A Igreja Universal do Reino de Deus está sendo acusada de manter ligação com uma empresa que seria praticante de pirâmide financeira com criptomoedas, chamada Airbit Club, que está sob investigação do Ministério Público de São Paulo.
A empresa, que se apresenta como um clube de investimentos, diz ter como missão “educar com as melhores informações possíveis” os interessados em fazer aplicações em criptomoedas como bitcoin, ethereum e bitcoin cash.
Uma reportagem do portal The Intercept BR citou a tradição da Universal em pregar a chamada teologia da prosperidade como mote de atração dos fiéis da denominação para o modelo de negócios da Airbit Club.
De acordo com a matéria, um líder da Universal identificado apenas como bispo Edson é apontado por incentivar os fiéis que frequentam o Templo de Salomão, em São Paulo, a investir na empresa suspeita de pirâmide financeira. “O bispo repetiu várias vezes: quem doasse poderia sair da igreja confiante porque, do lado de fora, estariam esperando oportunidades financeiras revolucionárias”, diz trecho da matéria.
Segundo os jornalistas do portal, no exterior do megatemplo da Universal, pessoas entregavam cartões da Airbit Club. As principais lideranças da empresa, descrita pelos autores da matéria como “uma mistura de clube de investimentos e marketing multinível”, mantém estreitas relações com a Universal.
Esses expoentes da empresa “colecionam reclamações de falta de contrato com os investidores e dificuldades para recuperar o dinheiro investido”, segundo o Intercept. “A empresa promete a seus participantes ganhar dinheiro com a valorização das moedas virtuais – a AirBit Club gera lucro com uma comissão na compra e venda”, acrescenta a matéria.
Com presença em diversos países, a empresa exige um investimento de adesão com valores a partir de US$ 1.000. Entretanto, a Airbit Club não foi localizada na Receita Federal como uma empresa com CNPJ e atuação regular. Já seu site tem o registro de domínio oculto, uma opção comum oferecida por empresas que hospedam websites.
O mistério em torno da empresa se estende aos fundadores, que não são mencionados de maneira oficial em nenhum lugar. No entanto, dois empresários são apontados nas redes sociais como donos da empresa e são alvos da Justiça norte-americana. Em 2016, Pablo Renato Rodríguez, mexicano, e Gutemberg dos Santos, brasileiro, foram denunciados pela Securities and Exchange Comission – órgão norte-americano equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula as atividades na Bolsa de Valores – por comandar uma pirâmide financeira chamada Vizinova.
O modus operandi da empresa só permite aos participantes recuperar os valores investidos atraindo novos investidores, com bônus repassado por cada novo filiado. Na prática, quanto mais pessoas o investidor trouxer para o clube, mais dinheiro ele pode ganhar, caracterizando a prática de pirâmide financeira.
Ligações com a Universal
Além da presença dos divulgadores na Airbit Club no Templo de Salomão, supostamente anunciados de púlpito pelo bispo Edson, uma das evidências de envolvimento indireto da Universal com a empresa é o jovem milionário Gabriel Fonseca Reis, filho de uma obreira da denominação e presente em publicações associadas à igreja.
Reis começou sua carreira na Multiclick Brasil, uma empresa de “marketing multinível” – método de venda de produtos formado por redes de distribuidores individuais e usado por empresas como Herbalife, Mary Kay e Hinode.
Em novembro de 2013, a Multiclick Brasil teve suas atividades bloqueadas pelo Ministério Público de Santa Catarina por indícios de atividade econômica irregular: havia a suspeita de que a empresa praticasse pirâmide financeira, já que para receber, os membros deviam trazer novos integrantes ao sistema. Os promotores do MP estimaram que mais de 300 mil pessoas tenham sido atraídas para o esquema.
Carismático, Reis passou a ser uma espécie de garoto propaganda da mensagem de prosperidade da Igreja Universal. O jovem concedeu entrevistas à Folha Universal e chegou a apresentar o programa do Congresso Para o Sucesso. Atualmente, é um dos “líderes” da AirBit Club.
Procurada pela equipe do Intercept, a Igreja Universal negou ter relações institucionais com Gabriel Reis, pontuando que o jovem é um “frequentador” assim como outras “7 milhões de pessoas pelo Brasil”.
Porém, outra bem-sucedida integrante do clube da empresa de investimentos, Andressa Costa, é também frequentadora da Universal. Em março, usou sua conta no Instagram para publicar uma foto em um templo da denominação no México. “Não só frequente uma igreja, seja a própria igreja”, dizia a legenda da imagem.
Ela e outros líderes viajaram ao México numa recompensa da Airbit Club para os mais bem-sucedidos investidores da empresa. Lá, ela se encontrou com bispo Renato, que dirige uma filial da Universal no país, além da dupla sertaneja Junio e Cezar e o ex-jogador Cafu. Todos eles usavam adereços com o logotipo da empresa.
O marido de Andressa, chamado Antonio Marcos Rodrigues e conhecido como Niko, é parceiro de negócios, e juntos o casal já foi tema de reportagem da Universal News, versão em inglês da Folha Universal. Ele já testemunhou sua prosperidade algumas vezes em altares da igreja, e numa delas, esteve com o bispo Edir Macedo em Miami, Flórida (EUA).
Em 2017, Andressa foi entrevistada no Balanço Geral, da Record TV, ao lado de Gutemberg dos Santos, o brasileiro que é apontado como um dos fundadores da Airbit Club. Na ocasião, os dois compareceram a um jantar beneficente promovido pelo Instituto Ressoar, o braço filantrópico da emissora do bispo Edir Macedo.
Denúncia
O fio do novelo foi puxado por um investidor da Airbit Club insatisfeito com seus resultados. Identificado pelo pseudônimo Carlos, por questões de segurança, ele mergulhou na plataforma após ser levado por uma amiga, e sua aceitação dependia da entrega do valor do pacote de adesão para um dos líderes. Em um evento no litoral paulista, conheceu Andressa Costa, e efetuou o pagamento em dinheiro vivo.
Carlos começou a perceber que havia algo errado quando reclamou que estava com problemas para efetuar seu saque após um determinado período. Por começar reclamar, foi retirado do grupo de WhatsApp da empresa e perdeu o contato com as lideranças. Em resposta, denunciou a situação ao Ministério Público Federal.
Assim como Carlos, outros investidores que se sentiram lesados pela AirBit Club criaram grupos no WhatsApp para falar sobre os problemas.
Andressa, no entanto, nega depósitos em sua conta pessoal. “São [pessoas] maldosas ou trabalham em empresas que eu não aceitei entrar, resolvem através de denúncias vazias denegrir minha imagem e do negócio”, defendeu-se.
As denúncias contra a Airbit Club chegaram à CVM, e no processo, o órgão chegou à conclusão de que não há “elementos de autoria e materialidade que permitam a apresentação de uma acusação por infração à legislação do mercado de capitais”, já que a empresa trabalha com criptomoedas, que ainda não são regulamentadas no Brasil.
Porém, a CVM recomendou que o processo seja levado ao Ministério Público por conta dos indícios de que “estamos diante de uma fraude, que poderia ser de crime previsto no art. 171 do Código Penal”, que trata de casos de estelionato.
Enquanto isso, cinco anos após o bloqueio de sua primeira empresa, o jovem prodígio Gabriel Reis já divulga sua terceira empreitada. Em outubro de 2018 ele passou a anunciar em suas redes sociais a Yat Solutions, empresa especializada em cursos de investimentos e assessoria financeira. No Facebook, a página da empresa descreve sua atuação como um “Serviço financeiro em Malta” – país que é considerado um paraíso fiscal.