Após passar mais de seis anos em cativeiro nas mãos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a franco-colombiana Ingrid Betancourt, que recebeu o Prêmio Príncipe de Astúrias da Concórdia 2008, afirma que na floresta conheceu a dor “em todas as suas dimensões”.
“Nós (os seqüestrados) levávamos a dor do mundo em todas as suas expressões”, afirma Betancourt em entrevista publicada no jornal espanhol “El País”.
Ao longo de oito páginas com fotos que lembram tempos de sua infância, adolescência, cativeiro e posterior libertação, Betancourt relembra seu inferno particular na selva, “um lugar onde não há horizonte, não há caminhos, não se pode sair”.
“A floresta é um lugar hostil. Tudo dói nela. A pele não é um espaço de proteção, mas de dor. Comer dói, ir ao banheiro dói, tomar banho dói, viver dói, respirar dói, não ver o céu dói, não ver as pessoas que a gente ama dói”, afirma Betancourt.
A ex-refém fala dos vários dias sem ver a luz do sol, porque “nós (os prisioneiros) estávamos sempre em lugares muito espessos para não sermos localizados”, explica, e lembra dos incessantes sons “macabros” dos animais e, à noite, “dos gemidos dos companheiros que choravam dormindo e gritavam seus pesadelos”.
“É difícil falar sobre isso, ainda não consigo. Há um imenso sofrimento e se pode fazer muito pouco para aliviá-los. Penso que o diabo vive na floresta”, diz.
Perguntada pelo escritor espanhol Juan José Millás, autor da entrevista, sobre a imagem que deu a volta ao mundo na qual aparecia “magra, fraca e triste”, Betancourt afirma que, naquele momento (o da foto), pensou na morte “como uma libertação”.
“Minha recuperação posterior foi o resultado de uma série de milagres. Após a doença do corpo e a tristeza infinita da alma, chegou também a resignação da morte. Não chegava resposta, sabia que estava morrendo e me pareceu que tinha de aceitar e preparar meus filhos e minha mãe”, diz.
A franco-colombiana se refere também à carta que, junto com a fotografia, foi apreendida com a guerrilha em 2007 pelo Exército colombiano.
“Essa carta foi praticamente um testamento, queria dizer que eu os amava e que estava feliz e agradecida a Deus pelo que havia vivido”, explica.
Nestes seis anos de cativeiro, Betancourt assegura que sua fé saiu fortalecida e que deixou na floresta “muita impaciência, muita bobagem”, e que se aproximou de Deus.
“Descobri um Deus com sentido do humor, da autoridade. Deus que educa, que ama. Deus que me ofereceu liberdade”, acrescenta.
Apesar de tudo, afirma que não guarda rancor nem desejo de vingança, “mas amor”, e reconhece que sua imagem do conflito que envolve a sociedade colombiana também mudou.
“Quando eu fazia política na Colômbia, pensava que era preciso mudar as estruturas do poder. Hoje acho que é preciso mudar a alma do povo colombiano e a de cada um de nós em nossa identidade individual. É preciso mudar o mundo. O incrível é que penso que é possível”, conclui.
Fonte: EFE
Via: G1