A postura conservadora da bancada evangélica – e do Congresso Nacional, como um todo – foram alvo de uma dura crítica do jornal Folha de S. Paulo em um editorial publicado no último domingo, 14 de junho.
A Folha, publicação de postura francamente liberal – costuma apoiar a legalização do aborto, por exemplo – usou o livro “Submissão”, do autor Michel Houellebecq para traçar um paralelo com a situação política do país.
No livro, a aliança entre grupos políticos moderados e fundamentalistas religiosos na França obtém expressiva vitória eleitoral, estabelecendo o predomínio da repressão, do obscurantismo e do preconceito em um país que até então, era conhecido por suas tradições laicas e liberais.
“O Brasil por certo não é a França retratada nesse romance, e se o fanatismo de alguns grupos traz perigo à sociedade ocidental, não há sinais de sua atividade em São Paulo, no Rio de Janeiro ou em Brasília. Um espírito crescente de fundamentalismo se manifesta, contudo, em setores da sociedade brasileira –e, como nunca, o Congresso Nacional parece empenhado em refleti-lo, intensificá-lo e instrumentalizá-lo com fins demagógicos e de promoção pessoal”, introduziu o editorial.
O jornal afirma que existem “visíveis sintomas de reacionarismo político, prepotência pessoal e intimidação ideológica” entre senadores e deputados, e que “tornou-se rotineiro, nos debates do Congresso, que este ou aquele parlamentar invoque razões bíblicas para decisões que cumpre tratar com racionalidade e informação”.
Numa crítica aos princípios religiosos que muitos seguem como norte de vida, a Folha diz que a Bíblia Sagrada “pouco tem a contribuir para a coexistência entre indivíduos numa sociedade civilizada e plural”, e acrescenta que muitas decisões tomadas pelos políticos são um “evidente aceno a parcelas crescentes do eleitorado”.
“Uma verbiagem religiosa toma conta do Congresso”, acusa o jornal. “Nos tempos de Eduardo Cunha [PMDB-RJ, presidente da Câmara dos Deputados], mais do que nunca a bancada evangélica se associa à bancada da bala para impor um modelo de sociedade mais repressivo, mais intolerante, mais preconceituoso do que tem sido a tradição constitucional brasileira”, opina.
Reconhecendo que “o conservadorismo sem dúvida é forte no Brasil”, o editorial versa sobre questões que seguem os desejos da maioria: “A pena de morte, a redução da maioridade penal, a rejeição ao aborto e à liberação das drogas têm apoio em larga parcela da população –e diante de tais assuntos, naturalmente, cada pessoa tem o direito de se posicionar como lhe parecer melhor. Mas nossa sociedade também é, felizmente, mais complexa do que pretendem os mais conservadores”, argumenta o jornal.
Citando a Reforma Política em andamento no Congresso e o recente protesto de deputados cristãos contra a Parada Gay em São Paulo, a Folha a firma que “há espaço para que o Legislativo comece a transformar-se numa espécie de picadeiro pseudorreligioso, onde se encenam orações e onde se reprime, com gás pimenta, quem protesta contra leis penais duras e sabidamente ineficazes”.
A conclusão do editorial traz, em tom pejorativo, adjetivos usados de forma simplista para se referir aos setores da sociedade que se portam de forma contrária à do jornal: “Os inquisidores da irmandade evangélica, os demagogos da bala e da tortura avançam sobre a ordem democrática e sobre a cultura liberal do Estado; que, diante deles, não prevaleça a submissão”.