O segundo dia de manifestações da audiência pública do STF sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, proposta pelo PSOL, para descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, trouxe manifestações favoráveis e contrárias à interrupção da gravidez.
Um dos que se manifestaram de forma contrária foi o senador Magno Malta (PR-ES), apresentado como teólogo. O líder conservador se disse representado pelas manifestações do Dr. Rafael Câmara, ginecologista, que se posicionou de forma crítica em relação aos números usados na defesa da interrupção da gravidez, apontando inconsistências, e também destacou a falta de recursos na saúde pública para questões básicas, como infraestrutura de maternidades públicas.
Malta concentrou seu discurso na diferenciação dos papeis dos poderes de acordo com a Constituição Federal de 1988, destacando que o papel do Judiciário, e em especial do Supremo Tribunal Federal, é o de ser “guardião das leis”. “Em uma democracia cada um tem que respeitar o seu papel. O Poder Legislativo faz as leis e essa Casa é guardiã”, declarou.
Na sequência, Malta criticou objetivamente a postura que o STF adotou ao longo dos últimos anos: “O ativismo judicial no país é uma coisa que parece que virou regra […] A Suprema Corte tem que cumprir seu papel de guardar a Constituição”, enfatizou.
Mencionando o ministro Luís Roberto Barroso, Malta lembrou que antes de sua indicação ao STF, ele atuou como advogado no caso do aborto de anencéfalos, e na ocasião, valeu-se de princípios apontados na Convenção Americana de Direitos Humanos e também do Pacto de San José da Costa Rica, dos quais o Brasil é signatário. Barroso é um dos que defendem a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.
“Pois essa mesma Convenção de que somos signatários, e o Pacto de San José […] diz que a vida começa na concepção”, pontuou o senador, colocando a postura de Barroso em uma espécie de balança de coerência.
“O Congresso Nacional não está omisso, para que essa situação viesse parar aqui. Porque penso que essa Casa… esse papel não lhe é devido. Esse papel é do Parlamento. Ou então dissolvamos o Parlamento, o Poder Executivo, e nós tenhamos no Judiciário a resposta para todas as coisas. Os ministros […] sabem que nós ouvimos todos os dias que o Judiciário é lento, moroso, mas tem que ser moroso, tem que ser lento, porque todo dia entra, nessa Casa, processos e mais processos, litígios e mais litígios, para que essa Casa decida por aquilo que não lhe é devido”, confrontou Malta.
Posições
Dentre os religiosos que foram convidados para a audiência pública, presidida pela ministra Rosa Weber, o representante da Convenção Geral das Assembleias de Deus (CGADB), Douglas Roberto de Almeida Baptista, pontuou que “o direito à vida não pode ser mitigado por qualquer outro direito” pleiteado por movimentos sociais.
“Essa ação, ao legalizar o assassinato de ser indefeso no ventre da mãe, não merece prosperar”, adicionou, antes de pontuar o que a Constituição define como tribuna para o debate sobre o assunto: “Essa ação me parece um atalho tomado por um partido político para impor goela abaixo uma legislação genocida”, disparou.
De acordo com informações do jornal O Estado de S. Paulo, a mesma perspectiva foi ecoada nas palavras da advogada Angela Vidal Gandra Martins Silva, representante da União dos Juristas Católicos de São Paulo, a advogada Angela Vidal Gandra Martins Silva: “Não há omissão [do Legislativo], pois há vários projetos em tramitação. Aprovar esse pedido seria um aborto jurídico”, analisou.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), representada por dom Ricardo Hoepers, sugeriu a busca por alternativas de apoio e acolhimento às mulheres, ao invés de descriminalizar a interrupção da gravidez. O bispo também convidou a ministra Weber para visitar casas de acolhida da Igreja Católica para mulheres que desistiram do aborto.
Duas representantes religiosas se manifestaram favoráveis à legalização: Maria José Rosado, diretora da organização Católicas pelo Direito de Decidir; e a pastora luterana Lusmarina Campos Garcia, do Instituto de Estudos da Religião.
Maria José – cuja entidade é questionada como legítima representante de um grupo católico – afirmou que muitas mulheres praticam o aborto ilegalmente e que são as mães pobres que mais sofrem com as consequências de tais procedimentos. “Não podemos continuar fechando os olhos para essa realidade. A Constituição deve ser cumprida e a religião deve acolher e não julgar”, disse.
Lusmarina, conhecida no meio evangélico como uma liderança progressista, disse que as Escrituras Sagradas do cristianismo não se posicionam contra a interrupção da gravidez: “O Estado não pode confundir leis de crime com o que é considerado pecado. Mesmo assim, a Bíblia não condena o aborto. O argumento mais importante das religiões contra o aborto é o mandamento ‘não matarás’, mas ele não era de aplicação universal porque a Bíblia autorizava matar estrangeiros, mulheres adúlteras, inimigos. A vinculação do aborto com esse mandamento é uma manipulação do texto bíblico”, alegou. Assista:
Dados
Na sexta-feira, 03 de agosto, o médico ginecologista Rafael Câmara fez uma exposição intensa na audiência pública sobre a inconsistência dos dados sobre aborto usados pela grande mídia, acusando a imprensa de fake news, e movimentos ativistas, que muitas vezes são financiados por entidades pró-aborto, o que caracteriza “conflito de interesses”.
O médico também destacou a realidade precária das maternidades brasileiras, apontando que a postura coerente, se houver investimento, seria direcionar as verbas para a melhoria das condições nos hospitais para evitar que mães que decidem levar a gestação adiante não morram ao dar à luz.