O alto número de católicos fervorosos e a forte relação e proximidade com o Vaticano não foram suficientes para impedir o aumento do número de roubos em igrejas da Itália, um fenômeno que levou as autoridades a incrementarem a segurança nas igrejas.
Em média, 45 igrejas são roubadas por mês, num negócio que envolve criminosos especializados em patrimônio artístico, intermediários, colecionadores privados, restauradores e antiquários.
Os objetos que costumam ser furtados são candelabros de ouro, crucifixos antigos, altares e objetos de arte medievais, renascentistas e barrocos.
“Muitos desses objetos roubados são comercializados fora da Itália. Alguns sofrem modificações, para que não sejam identificados”, disse à BBC Brasil o coronel Giovanni Pastore, vice-comandante do Núcleo de Tutela do Patrimônio Cultural dos Carabinieri.
“Outros são destruídos, depois de retiradas as partes em ouro ou pedras preciosas.”
Conforme levantamento dos Carabinieri – a polícia militar italiana-, em 2004, foram registrados 464 furtos em igrejas, 483 em 2005, e 546 em 2006.
A quantidade de objetos roubados já ultrapassou 12 mil nos últimos três anos e meio: 2.840 em 2004, 2.993 em 2005, 3.919 em 2006 e 2.330 no primeiro semestre de 2007.
Entre os objetos há grandes e pequenas obras-primas, como santos, estátuas de menino Jesus, relicários, vitrais, quadros, banheiras para imersão dos batizados, pias para água benta e confessionários, que alimentam um vasto mercado clandestino, em que um altar pode ser vendido por 500 mil euros, o equivalente a R$ 1,36 milhão.
Em alguns casos, como o ocorrido em uma igreja em Nápoles, os ladrões saquearam até mesmo o pavimento de mármore.
Na cidade de Turim, no nordeste da Itália, depois da ocorrência de inúmeros furtos, o padre da capela do Hospital San Giovanni – repleta de objetos preciosos e de antigüidades – afixou um cartaz na porta, avisando os fiéis que o local só voltaria a ser aberto depois da instalação de um sistema de segurança.
Na avaliação do coronel Pastore, a falta de sistemas de segurança na maioria das igrejas italianas facilita a ação da criminalidade especializada em patrimônio artístico, que encontra nos lugares sagrados um grande campo de atuação.
Enquanto cresce o número de roubos nas igrejas, nos museus – cada vez mais vigiados -, a situação é inversa: em 2006, foram registrados apenas 14 furtos e, no ano anterior, 18.
“Analisando o fenômeno com os olhos de quem acredita em Deus, é difícil dizer se é um pecado mais grave roubar na igreja que em outro lugar”, afirma Don Stefano Russo, diretor do Departamento Nacional para os Bens Culturais Eclesiásticos, órgão da Confederação Episcopal Italiana (CEI).
“Mas, certamente, os roubos nos lugares sagrados têm o agravante de que o objeto furtado, além do valor artístico e econômico, é precioso para a comunidade de fiéis do ponto de vista religioso.”
Uma das maneiras encontradas pela CEI para barrar a ação dos ladrões foi dar início a um inventário nacional dos bens culturais das igrejas e destinar todos os anos um fundo às dioceses para a instalação de sistemas de alarmes, portas anti-furto e câmeras.
“Até o momento, 48% das 85 mil igrejas italianas fizeram o inventário, catalogando com imagens digitais e descrições detalhadas cerca de dois milhões de bens”, disse a arquiteta Laura Gavazzi, que trabalha no setor de bens culturais da CEI.
“E 5.254 igrejas, 6% do total, já contam com sistemas anti-furto.”
A polícia preparou um grande arquivo informatizado com dados das obras roubados, conectado aos arquivos da CEI.
Segundo o coronel Pastore, objetos roubados que são recuperados, muitas vezes não podem ser devolvidos porque a proveniência é desconhecida. De acordo com ele, em torno de 20% dos furtos sequer são denunciados.
“Em algumas ocasiões, encontramos uma peça furtada e não temos para quem devolver, porque não foi feito um cadastro e os padres não reconhecem a procedência da mesma”, afirma Pastore.
O fato de muitas igrejas ficarem situadas em lugares isolados, a falta de padres e de sistemas de segurança facilitam a ação daqueles que estão acostumados a roubar as igrejas italianas.
Mas, de acordo com Pastore, os métodos dos ladrões também se adequam à situação.
Ele lembra de casos em que os criminosos ficaram escondidos dentro das igrejas antes de os padres fecharem as portas e acionarem os sistemas de segurança.
“Dentro do local, eles atuam como querem”, disse o coronel. “Roubam o que bem entendem, passam a noite lá e saem tranqüilamente no dia seguinte quando o alarme já foi desligado.”
Diante da situação, o governo também resolveu agir. Há três meses, o Conselho de Ministros da Itália aprovou uma lei que prevê maiores punições e um maior prazo para o tempo de prescrição dos crimes contra o patrimônio cultural do país.
Fonte: Estadão