A propósito da “coerência” entre a eucaristia e a vida pública, o Papa Bento XVI recordou ontem aos fiéis a necessidade darem um “testemunho público” das convicções que lhes são transmitidas na missa. E pediu aos “homens políticos e legisladores católicos” que se abstenham de aprovar leis contrárias à doutrina da Igreja, como as que dizem respeito ao aborto, eutanásia ou uniões de facto entre homossexuais – tema actualmente em discussão em Itália.
Na primeira “exortação apostólica” do seu pontificado, dedicada a sacramento da eucaristia, Bento XVI reafirmou ainda a irredutibilidade do Vaticano em relação a aspectos como o casamento dos sacerdotes ou a interdição do direito de comungar para divorciados que voltaram a casar.
O documento Sacramentum Caritatis, em que Bento XVI sintetizou muitas das opiniões recolhidas no Sínodo (assembleia) dos Bispos de 2005, o Papa sublinha o “carácter obrigatório” do celibato dos padres e invoca a “virgindade” de Jesus Cristo como exemplo.
Reconhecendo o problema da escassez de padres, o Papa sugeriu “uma disponibilidade maior dos sacerdotes para irem servir a Igreja nos lugares onde houver necessidade, sem olhar a sacrifícios”.
Quanto à questão dos divorciados recasados, cuja situação classificou de “verdadeira praga do ambiente social contemporâneo, o Sumo Pontífice recordou as recomendações no sentido de estes não serem admitidos a sacramentos como a comunhão. Defendeu, no entanto, a necessidade de a Igreja os acompanhar “com especial solicitude, na esperança de que cultivem, tanto quanto possível um estilo cristão de vida”, nomeadamente através da participação em missas.
A única excepção – que já tinha contemplado quando era o Cardeal Ratzinger, presidente da Congregação para a Doutrina da Fé – diz respeito aos casais de segundas núpcias que optem por viver a nova união, sem a consumar, “como amigos, como irmão e irmã” – caso em que serão autorizados a comungar.
Cantos gregorianos e latim
As poucas alterações sugeridas por Bento XVI prendem-se, de resto, com o regresso a práticas caídas em desuso, como os cantos gregorianos e as liturgias em latim nas eucaristias de maior dimensão. O objectivo é criar pontos comuns em missas que reunam fiéis de várias nacionalidades.
Esta proposta foi elogiada pela Confederação Episcopal Portuguesa (CEP): “Nas grandes celebrações internacionais, é bom que os cristãos e os futuros padres sejam preparados para conhecer algumas partes em latim”, disse à Agência Lusa D. Carlos Azevedo, que, de resto encontrou, no documento “muitas perspectivas para uma vivência mais intensa e espiritual da eucaristia”.
Para o padre Peter Stillwell, contactado pelo DN, as recomendações “acabam por traduzir aquela que tem sido, de forma muito clara, a posição da Igreja” sobre alguns dos temas mais controversos da actualidade. O teólogo admitiu que “sem fazer cedências, alguns dos aspectos abordados poderiam ser alvo de uma reflexão mais ampla”. Mas considerou que o documento “não era o ideal” para esse fim.
Já Maria João Sande Lemos, do movimento Nós Somos Igreja, que defende a adopção de reformas, resumiu as principais recomendações como um sinal de que “a igreja está-se a afastar cada vez mais dos fiéis”.
Particularmente crítica em questão à situação dos crentes com segundo casamento, considerando “incompreensível que a igreja não lhes dê uma segunda oportunidade”, esta católica praticante não se coibiu também de comentar, com ironia, as recomendações mais ‘técnicas’ de Bento XVI: “O latim é uma língua que só interessa aos padres. E o canto? Já se canta terrivelmente mal nas igrejas, como será com cantos gregorianos?”
Fonte: Sapo.pt