Prestes a completar 30 anos – o que ocorrerá no dia 26 de dezembro – a Lei do Divórcio pode sofrer importante alteração ainda este ano. Tramita em comissão especial da Câmara a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do deputado Enio Bacci (PDT-RS) que propõe a redução de dois anos para apenas um ano do prazo para qualquer pessoa pedir o divórcio. Apensada a ela, uma proposta do deputado Sérgio Carneiro (PT-BA) avança ainda mais, ao suprimir o instituto da separação judicial e acabar com qualquer prazo para o pedido de divórcio. A PEC deve ir a votação no plenário ainda em 2007. O maior obstáculo à mudança vem do campo religioso. Em audiência pública realizada no dia 10 de outubro, evangélicos e católicos se uniram contra a novidade.
A Constituição proíbe o divórcio direto, de acordo com o parágrafo 6º do artigo 226 do Código Civil. Hoje, quem pensa em se divorciar, tem dois caminhos: entrar com ação de separação judicial e, um ano depois da sentença, convertê-la em divórcio; ou então ficar dois anos separado, de fato, mas casado no papel. Nesse caso, é preciso provar a separação de corpos, com apresentação de testemunhas que responderão a perguntas sobre a situação do casal. Após a comprovação de que não estão mais juntos e, cumprido o prazo, o divórcio é decretado. Os cartórios civis também já podem registrar divórcios, separações, inventários e partilhas de bens . A mudança vale para as separações e divórcios consensuais, quando não há filhos menores.
Se você casa e, um mês depois, não quer mais continuar casado, não pode se divorciar para ficar livre para casar de novo? Isso não existe. O divórcio não é contra o matrimônio; é o remédio para as doenças do casamento – afirmou o relator da PEC, Joseph Bandeira (PT-BA), reconhecendo que a proposta de Carneiro acaba com todos os entraves burocráticos e empolga mais.
A emenda de Carneiro tem a preferência de instituições especializadas, como o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). O presidente do órgão, Rodrigo da Cunha Pereira, não vê mais sentido em manter o divórcio intacto, 30 anos depois.
O presidente do IBDFAM sabe que a proposta tem boa entrada entre os parlamentares, mas teme que a bancada religiosa se una para tentar dificultar a aprovação da PEC.
– O argumento contrário é de que não poderiam concordar com a mudança porque o divórcio ficaria facilitado, e isso seria o fim da família. E eles estariam contribuindo para isso. Esse é um discurso falso, hipócrita e moralista. O que acaba é o casal, não a família – afirmou Rodrigo Pereira.
O autor da proposta original, Enio Bacci, porém, não deverá apoiar a proposta mais ampla.
– A princípio não apóio a proposta (do deputado Sérgio Carneiro) porque ela tem mais resistências na Igreja, e é necessário o período de avaliação após a separação. Com a separação radical, as pessoas poderiam se arrepender e seria mais difícil voltar. Com o período de um ano, o risco é menor – alerta Bacci.
Bacci diz que a separação judicial favorece os ricos
Além das propostas de Carneiro e Bacci, a PEC incorporou uma do ex-deputado Antonio Carlos Biscaia, que, como a de Bacci, propõe apenas a redução do prazo para o divórcio. Após ser aprovada na comissão, a PEC precisa passar por duas votações no plenário. Em seguida, vai ao Senado. Caberá ao relator indicar se as três propostas irão a votação na comissão especial ou se haverá consenso em torno de uma delas.
– Hoje, além de a pessoa ter de pagar duas custas processuais e dois honorários advocatícios, é preciso voltar a encontrar a pessoa com quem já não se tem mais qualquer relação, trazendo lembranças ruins e dor – analisa Carneiro.
O deputado Enio Bacci afirma que na forma atual a separação judicial favorece os ricos, em detrimento dos pobres:
– Não há por que pessoas que pagam advogado para realizar a separação judicial esperarem apenas um ano pelo divórcio enquanto a população pobre, que não pode recorrer a esse recurso, espera dois – argumentou Bacci.
O bispo-auxiliar do Rio de Janeiro e membro da Comissão Episcopal para a vida e a Família da CNBB, dom Antônio Augusto Dias Duarte, vê pontos positivos e negativos na proposta. Na verdade, de positivo, é apenas o fato de o casamento religioso poder ser agilizado para quem só é casado no civil. Se uma pessoa passou pelo sacramento do batismo e é casada no civil, pode se divorciar e casar no religioso, mas se é batizada e casada no religioso, não pode se separar e se divorciar para casar de novo no religioso, segundo o bispo.
– A princípio, a pessoa não pode casar de novo se foi batizada e casou no religioso. Nesse caso, é preciso entrar com processo no Tribunal Eclesiástico, que só autoriza o novo casamento religioso em casos excepcionais, como no caso em que a mulher diz que é virgem e não se comprova isso depois da união; quando uma das pessoas esconde uma doença grave; quando mente sobre a capacidade para assumir compromissos, como a educação dos filhos – enumera dom Antônio.
Segundo o religioso, para coisas práticas talvez a PEC tenha sua utilidade, seja necessária, mas reafirma que a Igreja não pode concordar com o divórcio:
– A Igreja não vai aplaudir nem apoiar o divórcio. Casar e descasar, casar e descasar, isso é a destruição da instituição casamento. A Igreja é o que é na sua identidade: a favor da família e do bem. Não gosto de dizer que a Igreja é contra, porque isso cria um estereótipo de que a Igreja é contra tudo, mas, no verdadeiro matrimônio, o vínculo que se estebelece é indissolúvel – afirmou dom Antônio.
O bispo-auxiliar do Rio de Janeiro diz que em alguns casos a proposta do deputado Sérgio Carneiro vai dar mais superficiliadade ao conceito do casamento, já que “cria a cultura do descartável e acaba sendo depreciativo”.
O padre Jorge Lira Andrade, representante da CNBB na audiência pública do dia 10, na Câmara, destacou que a legislação deve favorecer a estabilidade da família, e não o contrário.
– Quando a família se dissolve, o Estado inteiro sofre -sustenta Jorge Andrade.
Para o padre, fenômenos como a violência decorrem da dissolução do núcleo familiar, responsável pela transmissão de valores culturais e cristãos.
O pastor evangélico e ex-deputado Pedro Ribeiro reafirmou a premência da indissolubilidade das uniões.
-Temos de pensar a família como marido, mulher e filhos. Separar é um desastre – destacou Ribeiro, durante a audiência pública do dia 10.
Autor da proposta que suprime a separação e concede a possibilidade de divórcio a qualquer instante, o deputado Sérgio Carneiro lembra que existem no Brasil 251 mil separações e divórcios por ano, e que é preciso ter um remédio jurídico para isso.
– Na sociedade moderna, as pessoas devem ter o direito de casar mais de uma vez. Os evangélicos e católicos se mostram contra a alteração na lei, mas a posição deles não é consistente. Os argumentos de quem é contra são frágeis. As mulheres hoje ocuparam seu espaço na sociedade e não toleram mais, por exemplo, que o marido tenha uma amante. Ninguém casa pensando em se separar, mas isso acontece. Nossa idéia é trazer esse debate – encerra Carneiro.
O presidente do CNPB (Conselho Nacional dos Pastores do Brasil), deputado Manoel Ferreira, foi procurado pelo GLOBO ONLINE, mas não retornou as ligações.