A revista Superinteressante publicou uma matéria com uma análise dos trechos bíblicos que geralmente não são usados por pastores para sermões.
A reportagem dos jornalistas Alexandre Verginassi e Tiago Cordeiro cita basicamente trechos do Velho Testamento, com exceção de uma menção ao milagre operado por Jesus na transformação de água em vinho (João 2: 7-10).
Sobre a proibição doutrinária em relação a bebidas alcoólicas, a matéria afirma que “O álcool nem sempre foi consumido com moderação na Bíblia”. O texto da matéria enfatiza que a bebida era tratada como algo comum: “A palavra ‘vinho’ é citada mais de 200 vezes, e os porres são frequentes: Noé é embebedado pelas filhas, e Amnon, filho de Davi, está mais pra lá do que pra cá quando é assassinada por ordem de seu irmão Absalão — a interessar: foi pelo crime de ter estuprado a própria irmã, Tamar”, menciona a reportagem.
A reportagem cita a opinião de um historiador sobre o assunto: “Os sacerdotes são orientados a não beber antes de entrar no tempo, e o álcool é relacionado à perda de controle pessoal e da capacidade de diferenciar o bem do mal. Mas nada no texto bíblico proíbe o consumo”, diz Marc Zvi Brettler, consultado pelos jornalistas para a matéria.
A reportagem fala ainda sobre as proibições em torno do sexo, recomendações a respeito de finanças e empréstimos a terceiros, e sobre saúde e educação.
-Ao longo da infância, os pais têm a obrigação de repassar a eles a palavra de Javé. Já o Novo Testamento é mais pedagógico, digamos assim: enfatiza a educação pelo bom exemplo dos pais – comenta a reportagem, a respeito das recomendações bíblicas.
O texto da reportagem sugere ainda que o rei Davi e seu amigo Jonatã tenham mantido relações homossexuais: “O amor entre homens era punido com a morte — a não ser que você fosse o rei Davi. Os livros Samuel I e Samuel II contam a história da amizade entre ele e Jonatã, filho do rei Saul, antecessor de Davi e candidato natural ao trono de Israel. Davi acaba escolhido para a sucessão, mas isso não abala o relacionamento dos dois. Está escrito: “A alma de Jonatã se ligou com a alma de Davi. E Jonatã o amou, como à sua própria alma” (Samuel I). Em outra passagem, Jonatã tira todas as roupas, entrega a Davi e se deita com ele. ‘E inclinou-se três vezes, e beijaram-se um ao outro’ (Samuel I)”, afirmam os jornalistas.
A matéria cita ainda um comentário do historiador finladês Martii Nissinem, da Universidade de Helsinki e escritor: “Esse relato incomoda os intérpretes tradicionais da Bíblia, que tentam explicar a relação como uma forte amizade, e o beijo como um costume comum entre homens. Mas é difícil negar a referência à homossexualidade nesse caso, mesmo que a lei judaica a proíba expressamente”, diz o historiador, autor do livro “Homoeroticism in the Biblical World (Homoerotismo no Mundo Bíblico, em tradução livre para o português)”.
Confira abaixo, os principais trechos da matéria:
Maridos e esposas
O Velho Testamento deixa claro que as mulheres deveriam ser funcionárias de seus maridos, com deveres e direitos. Se uma esposa fosse “demitida” pelo parceiro, por exemplo, ela podia ganhar uma carta de recomendação, para a moça utilizá-la como trunfo na hora de tentar uma vaga de mulher de outro sujeito.
A poligamia era regra. Tanto que o primeiro caso aparece logo no capítulo 4 do primeiro livro da Bíblia: “E tomou Lameque para si duas mulheres” (Gênesis). A situação era tão comum que vários dos personagens mais importantes do Antigo Testamento viviam com mais de uma esposa sob o mesmo teto. […] Nunca na história do Livro Sagrado houve maior predador matrimonial que Salomão, o rei: foram 700 esposas. Setecentas de papel passado, já que o sábio soberano ainda mantinha 300 concubinas.
O Novo Testamento não cita tantos exemplos de poligamia, mas sugere que ela ainda era comum no século 1. Jesus não toca no assunto, mas, em duas cartas, são Paulo recomenda que os líderes da nova comunidade cristã tivessem apenas uma esposa porque “assim eles teriam mais tempo para dedicar aos fiéis”.
“O cristianismo só refuta a poligamia quando se aproxima do poder em Roma, que proibia essa prática”, afirma o historiador Marc Zvi Brettler. Como escreve santo Agostinho no século 5, “em nosso tempo, e de acordo com o costume romano, não é mais permitido tomar outra esposa”.
“As mulheres sejam submissas a seus maridos.”
(Colossenses, 3, 18)
Sexo
Uma série de regras estabelece como deve ser a vida sexual: toda mulher tem de se casar virgem, ou então poderá ser dispensada pelo marido.
As leis sexuais eram bem abrangentes: “Quem tiver relações com um animal deve ser morto”, diz o Êxodo. E a masturbação também não pode. Como diz o sutil são Paulo: “A mulher não pode dispor de seu corpo: ele pertence ao marido. E o marido não pode dispor de seu corpo: ele pertence à esposa.”
“O sexo na Bíblia é cheio de contradições”, diz o arqueólogo Michael Coogan, autor de God and Sex (Deus e o Sexo). “É de se desconfiar que fossem realmente levados a sério naquela época.”
“E possuiu também a Raquel, e amou também a Raquel mais do que a Lia.” (Gênesis, 29, 30)
Negócios e finanças
A cobrança de juros é proibida. As ordens se repetem ao longo da Bíblia, sempre em tom firme: “Não tomarás deles juros nem ganho” (Levítico). […] Mas existe uma exceção: nos casos em que o empréstimo é concedido a um não judeu (“um estranho”, nas palavras de Deuterônimo) é permitido praticar a usura. Até por isso os judeus se tornaram os grandes banqueiros da Idade Média.
Se o Livro Sagrado proíbe a cobrança de juros, mas só entre judeus, o mesmo vale para a escravidão. Você pode ter escravos, contanto que “sejam das nações que estão ao redor de vós; deles comprareis escravos e escravas”, diz o Levítico.
“Ao estranho, emprestarás com juros.” (Deuteronômio 23:20)
Marvado vinho
O álcool nem sempre foi consumido com moderação na Bíblia. A palavra “vinho” é citada mais de 200 vezes, e os porres são frequentes: Noé é embebedado pelas filhas, e Amnon, filho de Davi, está mais pra lá do que pra cá quando é assassinada por ordem de seu irmão Absalão — a interessar: foi pelo crime de ter estuprado a própria irmã, Tamar.
“Os sacerdotes são orientados a não beber antes de entrar no tempo, e o álcool é relacionado à perda de controle pessoal e da capacidade de diferenciar o bem do mal. Mas nada no texto bíblico proíbe o consumo”, diz o historiador Marc Zvi Brettler.
O álcool chega a ser recomendado para curar os males da alma. Está em provérbios: “Daí bebida forte ao que está prestes a perecer, e o vinho aos amargurados de espíritos”.
E tem o primeiro milagre de Jesus: transformar água em vinho — segundo o evangelista João, no melhor vinho da festa.
São Paulo vai mais além: recomenda a um discípulo, Timóteo, que troque a água pelo vinho.
“O chefe do serviço provou [o vinho que Jesus criara a partir da água] e falou com o noivo: ‘Tudo guardaste o melhor vinho até agora!’” (João 2, 7-10)
Saúde e educação
[…] Ao longo da infância, os pais têm a obrigação de repassar a eles a palavra de Javé. Já o Novo Testamento é mais pedagógico, digamos assim: enfatiza a educação pelo bom exemplo dos pais. […] Quando não funcionar, o Antigo Testamento indica que um bastão flexível deve ser usado para bater nos desobedientes. O objeto tem até nome, vara da correção, e é indicado para qualquer situação em que o pai considere que a criança não seguiu suas instruções. “A vara e a repressão dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesa envergonha a sua mãe” (Provérbios).
“O sacerdote examinará a praga na pele da carne; se o pelo na praga se tornou branco, (…) é praga de lepra; o sacerdote o examinará, e o declarará por imundo.” (Levítico 13:3).
Homossexualidade
O amor entre homens era punido com a morte — a não ser que você fosse o rei Davi. Os livros Samuel I e Samuel II contam a história da amizade entre ele e Jonatã, filho do rei Saul, antecessor de Davi e candidato natural ao trono de Israel. Davi acaba escolhido para a sucessão, mas isso não abala o relacionamento dos dois. Está escrito: “A alma de Jonatã se ligou com a alma de Davi. E Jonatã o amou, como à sua própria alma” (Samuel I).
Em outra passagem, Jonatã tira todas as roupas, entrega a Davi e se deita com ele. “E inclinou-se três vezes, e beijaram-se um ao outro” (Samuel I). “Esse relato incomoda os intérpretes tradicionais da Bíblia, que tentam explicar a relação como uma forte amizade, e o beijo como um costume comum entre homens”, diz o historiador finlandês Martii Nissinem, da Universidade de Helsinki e autor de Homoeroticism in the Biblical World (Homoerotismo no Mundo Bíblico). “Mas é difícil negar a referência à homossexualidade nesse caso, mesmo que a lei judaica a proíba expressamente.”
Para alguns especialistas, o Antigo Testamento também sugere um relacionamento homossexual entre duas mulheres, Noemi e sua nora Rute. Está no livro de Rute um trecho em que ela diz a Noemi: “Aonde quer que tu fores irei eu, e onde quer que pousares, ali pousarei eu. Onde quer que morreres morrerei eu, e ali serei sepultada”.
“Estou angustiado por causa de ti, Jonatã. Mais maravilhoso me era teu amor do que o amor das mulheres.” (Samuel II 1, 26).
Sacrifício
Muito sangue jorra na Bíblia. Abraão é orientado a sacrificar seu próprio filho Isaac a Javé — e teria obedecido, caso um anjo não aparecesse no ultimo minuto dizendo ser tudo um teste para sua fé. Além disso, durante os 40 dias em que Abraão detalha suas regras ao patriarca, Deus exige uma série de sacrifícios de animais.
Os rituais são descritos com grande riqueza de detalhes. Moisés manda matar e drenar 12 bois. O sangue é colocado numa tina. Metade é lançada no altar e o resto sobre a multidão. Carneiros abatidos são esfregados no corpo de fiéis, que seguram seus rinas nas mãos para oferecê-los a Javé. Pedaços de bichos são queimados sobre o altar. Era uma forma de trocar favores com os deuses.
“O sangue é o maior símbolo da vida. Ao usá-lo em rituais, os fiéis reforçam seu vínculo com a divindade e se purificam”, diz Richard Friedman. […] ”Na interpretação cristã posterior, o próprio Jesus é considerado o sacrifício final, que limpa os pecados da humanidade de forma definitiva, o que dispensa a morte de animais.”
“Derramar-se-a seu sangue me volta do altar. Será oferecida a cauda, a gordura que cobre as entranhas. Os dois rins e a pelo que recobre o fígado.” (Levítico 7, 2-4).
Crime e castigo
Sequestro, adultério, homossexualidade, prostituição…. Tudo dava pena de morte. Até fazer sexo com uma virgem poderia custar a vida do “criminoso”. Adorar outros deuses também trazia problemas sérios. Moisés mandou matar 3 mil judeus por causa disso.
O Levítico também manda matar prostitutas a pedradas. Não caso de a moça ser filha de um sacerdote, a punição é pior: “Com fogo será queimada”.
Em geral, a pena de morte por apedrejamento não precisava ser julgada pelos sacerdotes. A maioria dos crimes recebia punição na hora, diante de um grupo de pessoas que presenciaram a cena ou que estavam por perto da cena do crime.
O Antigo Testamento estabelece que toda mulher menstruada é tão impura que até mesmo os lugares onde ela senta devem ser evitados. Se um homem encostar na esposa, na mãe ou na irmã nesse período do mês, ele não pode sair de casa por sete dias. E, se o fizer, pode ter de pagar uma multa.
Como o Antigo Testamento não aceita o aborto, é crime provocá-lo, mesmo que por acidente, mas a pena depende da gravidade da situação.
Em caso de roubo e furto ou qualquer outro prejuízo ao patrimônio alheio, a pena é o pagamento de 4 vezes o valor do bem que foi levado ou destruído. Se a pessoa que cometeu a infração não tivesse condições de pagar, podia ser vendida como escrava.
“Quando houver moça virgem, desposada, e um homem a achar na cidade, e se deitar com ela, então trarei ambos à porta daquela cidade, e os apedrejareis, até que morram.” (Deuteronômio 22:23-24)
Fonte: Gospel+