No dia 15 de março, a Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício) anunciou no Vaticano a suspensão do padre jesuíta Jon Sobrino, basco que reside em El Salvador desde 1958 – e um dos expoentes da Teologia da Libertação na América Latina. O teólogo foi proibido de dar aulas, proferir palestras e publicar textos, por causa de posições que tem defendido em seus livros sobre cristologia. Ele teria empobrecido a figura de Cristo, reduzindo seus valores divinos, com intenção de aproximá-lo mais dos pobres.
Anunciada a menos de dois meses da visita do papa Bento XVI ao Brasil, prevista para esta semana, a sentença foi vista como um recado aos leigos, freiras, padres e bispos que seguem essa linha teológica no continente. Foi também um sinal de como deve se desenrolar a 5.ª Conferência Episcopal Latinoamericana (Celam) – o principal motivo da visita do papa ao Brasil. Mais do que isso tudo, porém, sinalizou que a Teologia da Libertação, apesar de desestimulada há mais de três décadas pelo Vaticano, com exortações, documentos e punições, ainda tem força e incomoda a direção da Igreja.
“A Teologia da Libertação ainda é a linha hegemônica no clero brasileiro e de boa parte da América Latina e isso é visto como uma grande dificuldade para o Vaticano”, observa o professor Luiz Felipe Pondé, do Departamento de Teologia da PUC-SP. “Uma das razões dessa hegemonia é o fato de outras correntes não terem boa produção teológica. No Brasil, a maior parte das pessoas que produzem trabalhos nessa área são da Teologia da Libertação.”
O teólogo Paulo Suess, que lamentou a punição de Sobrino, aponta outra razão para a permanência dessa linha de pensamento: ela permitiria ver com mais clareza os sinais de Deus nos tempos. “Esses sinais não surgem dentro da Igreja, como acreditam alguns mas fora dela, no meio da sociedade, na realidade do povo”, diz ele. “Nas últimas décadas, a pobreza na América Latina aumentou, em vez de diminuir. A Teologia da Libertação, que faz a opção preferencial pelos pobres, marginalizados e excluídos, vê esta realidade com mais clareza e por isso é mais contemporânea.”
Um indicador recente de como os seguidores dessa linha permanecem organizados foi a reação à condenação de Sobrino. Ouviram-se protestos desde pequenas comunidades eclesiais de base (CEBs) no interior do Pará a congregações religiosas. Os Missionários Combonianos do Coração de Jesus da Província Brasil Nordeste divulgaram uma carta indignada, lamentando “que boa parte da hierarquia da Igreja Católica demonstra uma grande preocupação com a ortodoxia, mas, ao que parece, pouco se importa com a ortopráxis, que é a vivência da consciência evangélica da qual nasce a opção preferencial pelos pobres.”
Em seu longo pontificado, entre 1978 e 2005, João Paulo II tomou o cuidado de não indicar para as cadeiras de bispo os padres que eram mais claramente identificados com a Teologia da Libertação.
As vozes da cúpula da Igreja que costumavam se levantar em defesa dessa corrente diante do Vaticano estão aposentadas, como os cardeais Paulo Evaristo Arns e Aloísio Lorscheider, ou morreram – e aí podem ser citados d. Luciano Mendes de Almeida e d. José Ivo Lorscheiter, entre outros.
Apesar disso, a corrente ainda tem força na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a maior da América Latina e uma das mais respeitadas no mundo. Segundo o teólogo Suess, isso ocorre porque os novos bispos, ao tomarem contato com a realidade do povo de suas dioceses, acabam se convertendo à causa dos pobres. “A realidade é um poderoso fator de conversão”, afirma ele. (AE)