Kate Bowler é uma estudiosa e professora do seminário Divinity School que tem uma longa parte de suas pesquisas dedicadas a combater a chamada teologia da prosperidade. Vítima de um câncer – contra quem tem lutado com tudo que pode – ela publicou um livro que denuncia a futilidade de muitos chavões e frases de efeito usados por pregadores neopentecostais para justificar a existência da dor e sofrimento.
Segundo a estudiosa, o conceito de que “tudo acontece por um motivo” é muito vazio. Em seu livro Everything Happens for a Reason: And Other Lies I Loved (que pode ser traduzido como “tudo acontece por uma razão: e outras mentiras que amei”), esse tipo de frase forma uma “teologia bumerangue”.
Sua dedicação a combater esse tipo de pensamento descrito por ela como teologicamente raso foi iniciada em 2016, quando ela, aos 35 anos, foi diagnosticada com um câncer de cólon no estágio 4, considerado “incurável” pela medicina.
Kate revelou, numa entrevista a Brian Lamb, na emissora C-SPAN’s Q&A, que esses clichês eram mentiras nas quais ela acreditava o tempo todo. Diante de cenas do pregador Benny Hinn orando por uma mulher que sofria de câncer, com um ambiente similar ao de um show e com a plateia acreditando que aquele espetáculo havia curado a mulher, Kate Bowler expressou toda sua indignação com a forma como a dor e o sofrimento são usados como propaganda por líderes neopentecostais.
“Quando vejo algo assim, só consigo ver da perspectiva dela”, comentou Kate. “Muitas pessoas oram por mim da mesma forma e, como cristã, acredito que o cristianismo tem uma longa tradição de cura divina. Então, eu certamente não acho que Deus não pode curar as pessoas. Mas, veja, como rapidamente ele se moveu depois de orar por ela, como o vaso ungido de Deus, e então sua confiança em si mesmo como sendo um veículo, e então [surge na plateia] a ideia de que porque ela não teve dor naquele momento, ela definitivamente está curada”.
Isso, segundo a escritora – que também publicou o livro Blessed: A History of the American Prosperity Gospel (“Abençoados: A história do Evangelho da Prosperidade americano”, em tradução livre), força uma compreensão equivocada.
Na sequência da entrevista, o apresentador mostrou um vídeo do pastor Rick Warren falando sobre como Deus usa a dor para atrair seu povo a Ele e prepará-lo para um “avanço”. O autor do livro Uma Vida com Propósitos completa: “Então, se você está com dor agora, parabéns”.
Kate Bowler foi perguntada se ela acreditava nisso, e a resposta foi negativa: “O que ele está pregando é a teologia que a maioria dos americanos quer compartilhar, que é que de alguma forma essa dor é sempre um progresso”, disse ela, salientando que Warren não é um pregador da teologia da prosperidade, mas um evangélico que segue o senso comum no meio.
“Eu não acredito mais nisso. Eu acho que realmente achei que a vida era apenas uma espécie de série de escadas e se eu simplesmente continuasse tentando e subindo, isso sempre levaria a algo”, afirmou, dizendo-se alguém que vive momentos de dor.
Ela acrescentou: “Parte disso foi apenas eu não ser capaz de curar meu próprio câncer e assumir que sempre terei o tempo que quero com minha família e ser capaz de imaginar o futuro para mim mesmo que eu esperava”.
Kate Bowler acrescentou ainda que, enquanto coisas bonitas podem acontecer em estações escuras, ela acredita que “é uma mentira bonita dizer que a dor sempre terá uma recompensa”.
Quando o apresentador Lamb a questionou se o fato de ter sido diagnosticada com câncer em uma idade tão jovem a levou a mudar de ideia sobre qualquer coisa relacionada à fé, ela respondeu: “Sim, eu acho que sim. […] Acho que muito disso foi embrulhado em mim, assumindo que Deus era uma parte deste projeto de melhoria de vida. E no segundo que eu fiquei muito doente, e você meio que chega ao fim de si mesma, eu admito que foi realmente um momento espiritual e poderoso para mim”, disse ela, demonstrando insegurança, de acordo com informações do portal The Christian Post.
“Senti a presença de Deus. Senti o amor de outras pessoas. No segundo em que fiquei doente toda a minha pequena comunidade se reuniu em uma capela e orou como corredores de maratona por mim, entregando durante toda a minha cirurgia”, completou, acrescentando que agora vive de consulta em consulta, já que o câncer agora está sob controle.
Embora o uso da dor como plataforma de convencimento das pessoas sobre o amadurecimento na jornada de fé seja uma abordagem questionável, a concepção de que o sofrimento contribui para um passo adiante na relação do cristão com Deus é tratada pelo apóstolo Paulo em uma de suas cartas de forma clara: “E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a paciência, e a paciência a experiência, e a experiência a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” -Romanos 5:3-5.