Os ativistas pró-aborto preparam uma ação judicial semelhante à que libertou a interrupção das gestações nos casos de fetos anencéfalos para conseguir a mesma autonomia nos casos de microcefalia.
Devido ao surto da doença, que pode estar ligada à epidemia do vírus zika, um grupo de advogados, acadêmicos e ativistas pretende pedir, no Supremo Tribunal Federal (STF), a concessão para que grávidas que quiserem optar pelo aborto se seus bebês forem detectados com microcefalia possam fazer de forma legal, pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A antropóloga Debora Diniz, do instituto de bioética Anis, está à frente da ação e demonstra confiança: “Somos uma organização que já fez isso antes. E conseguiu. Estamos plenamente inspiradas para repetir, sabendo que vamos enfrentar todas as dificuldades judiciais e burocráticas que enfrentamos da primeira vez”, afirmou à BBC, referindo-se à oposição feita por grupos pró-vida, as igrejas Católica e evangélicas e a população.
A discussão sobre o tema levou à exposição de argumentos a favor e contra, pois a microcefalia impede o crescimento normal do crânio durante a gravidez. Uma jornalista, portadora de microcefalia, se manifestou contra a postura da antropóloga pró-aborto, e reclamou da falta de informação nesses casos.
“Quando li a reportagem sobre a ação que pede a liberação do aborto em caso de microcefalia no Supremo Tribunal Federal (STF), levei para o lado pessoal. Me senti ofendida. Me senti atacada”, afirmou Ana Carolina Cáceres, 24 anos, em entrevista ao programa Bem Estar, da TV Globo.
“No dia em que nasci, o médico falou que eu não teria nenhuma chance de sobreviver. Tenho microcefalia, meu crânio é menor que a média. O doutor falou: ‘Ela não vai andar, não vai falar e, com o tempo, entrará em um estado vegetativo até morrer’. Ele – como muita gente hoje – estava errado”, disse Ana Carolina.
Contrária ao aborto, a jornalista pontuou que é preciso mais responsabilidade, por parte das autoridades, ao comentar a atuação situação de saúde pública que o país atravessa: “Com a explosão de casos no Brasil, a necessidade de informação é ainda mais importante e tem muita gente precisando superar preconceitos e se informar mais. O ministro da Saúde, por exemplo. Ele disse que o Brasil terá uma ‘geração de sequelados’ por causa da microcefalia. Se estivesse na frente dele, eu diria: ‘Meu filho, mais sequelada que a sua frase não dá para ser, não’ […] A microcefalia é uma caixinha de surpresas. Pode haver problemas mais sérios, ou não. Acho que quem opta pelo aborto não dá nem chance da criança vingar e sobreviver, como aconteceu comigo e com tanta gente que trabalha, estuda, faz coisas normais – e tem microcefalia. As mães dessas pessoas não optaram pelo aborto. É por isso que nós existimos”, contextualizou.
Ainda assim, pessoas em posição de influência se mantém favoráveis ao “aborto preventivo”. A médica obstetra Suzanne Serruya, brasileira que chefia a área que estuda o assunto dentro da Organização Mundial da Saúde (OMS) é uma: “Os casos de zika vão pressionar o debate sobre os direitos reprodutivos. A interrupção da gravidez, em qualquer situação, é uma decisão da mulher… Enfrentar a discussão do aborto é inevitável, com tudo que ela traz. A gente precisa separar a religião das decisões políticas. Estados não laicos são extremamente desfavoráveis à mulher. A interrupção da gestação é uma questão de saúde pública, envolve morte materna”, afirmou, em entrevista à revista Época.
Em seu blog, o pastor Renato Vargens, líder da Igreja Cristã da Aliança, lamentou: “O aborto é um crime hediondo e que aqueles que o cometem estão tirando a vida de um ser humano, visto que a Bíblia ensina que a vida começa na concepção […] Que Deus tenha misericórdia do Brasil que a cada novo dia submerge em pecado”.