Clara Tannure, filha da pastora Helena Tannure e ex-integrante do grupo Crianças Diante do Trono, está ocupando as manchetes nesta semana por conta de sua estreia como cantora secular, acompanhada da revelação de que é bissexual.
Aos 24 anos, a jovem lançou a música Chora Boy, com uma letra que repete os chavões progressistas e um clipe que traz beijo gay e exposição do corpo, seja da artista, seja dos figurantes.
Numa entrevista ao portal G1, a Clara Tannure diz que na infância sua mãe e seu pai, pastor João Lúcio Tannure, só permitiam música gospel. E nesse contexto, ela se tornou integrante da versão mirim do Diante do Trono: “Lá em casa sempre foi só música evangélica, desde que me entendo por gente. Meus pais eram bem rígidos de não tocar música ‘do mundo’. Sempre louvor. Mas quando eu tinha uns 12 anos, na escola, via as amiguinhas escutando Rouge e fui escondida procurar as músicas”, contou.
Através da internet ela satisfez a curiosidade: ”Eu já escutava rádio escondida quando minha mãe saía de casa. Gostava de Luka, Kelly Key… Mas o YouTube facilitou. Eu sonhava em ser como a Britney. Mas minhas roupas tinham que ser ‘bem comportadas’”, afirmou Clara Tannure. “Não podia barriga de fora. Eu via as mulheres nos clipes poderosíssimas, usando o que queriam. E eu performava (sic) sozinha no espelho”, acrescentou.
“Fiz DVDs do Crianças Diante do Trono até 16 anos. Tenho um carinho gigantesco por eles. A gente amava ensaiar, cantar. Na escola tiravam foto com a gente, era divertido”. Clara, que estudou em escolas cristãs de Belo Horizonte (MG), disse ainda que optou por seguir um caminho diferente dos pais: “Fui para a faculdade, trabalhar, viver a vida real”.
“Comecei a pensar que não concordava com tudo o que era dito na igreja, e com o que as pessoas queriam de mim. Preferi me afastar. Não por achar que é um ambiente ruim, mas não concordar”, enfatizou.
Segundo ela, essa decisão causou atrito entre ela e a família: ”Teve conflito, porque era muito importante para eles. Eu era adolescente, eles queriam me envolver, e aí tinha que obedecer. Não foi fácil. Agora tenho 24 e moro sozinha, trabalho, tenho a minha autonomia”.
Voo solo
“Desde cedo já quis ter meu dinheiro para ter minha vida e tomar as minhas decisões”, diz a cantora, que revela ter trabalhado como agente de telemarketing, caixa de bar e diagramadora para custear as próprias despesas.
Atualmente, a publicitária e designer de formação trabalha no departamento de marketing de uma marca de sapatos e acessórios. “Eu me formei em Publicidade [no Centro Universitário Una]. Depois fiz Design Gráfico na UEMG [Universidade do Estado de Minas Gerais]. Mas meu sonho é viver de música. Desde que eu tinha 15 anos eu comecei a compor, tocar violão”.
Na faculdade, o sobrenome não tinha tanto peso e fama, contou Clara Tannure: “Era um ambiente mais tranquilo em relação a religião e à fama da minha família. Tinha gente que me reconhecia, mas bem menos. Tinha mais liberdade. Fiz um grande amigo que foi o primeiro contato com uma pessoa gay”.
“Eu vivia numa bolha, eu não sabia o que estava pegando lá fora. Foi ele quem me mostrou muitas coisas, deu uns toques, ajudou a questionar as coisas que eu tinha sido ensinada”, afirmou, admitindo que parte de sua ruptura se deu por influência.
“Lembro de pensar novinha: gosto de homossexuais, mas isso é pecado. Fui pensando: ‘será que o pessoal não dá interpretação errada? Não querem justificar preconceito com a fé deles?’ As pessoas não se abrem ao mundo. Fui entendendo, amando meus amigos gays”, pontuou.
A filha do casal de pastores ligados à Igreja Batista da Lagoinha contou também que foi nessa fase que optou por se aprofundar em sua sexualidade: ”Eu sempre soube que eu não era heterossexual. Sentia só uma ‘vontadinha’. Gostava de homem e mulher. Hoje isso é mais falado, mas ainda a coisa de bissexualidade é mais difícil. As pessoas acham que é porque você é indeciso”.
Em seguida, a jovem artista lista uma série de nomes de cantoras endeusadas pelo progressismo: “Gosto muito Britney [Spears], Beyoncé, Miley [Cirus], Selena [Gomez], Demi [Lovato]. Mulheres fortes, que cantam o que querem e são quem são. Sempre fui fanzoca de pop. O tempo foi passando, eu buscava outras coisas, mas queria mesmo era cantar”.
Mesmo com toda o ruído entre ela e a família, Clara Tannure disse que não tinha intenção de confronto naquilo que ela desejava: “Percebi que não cantava porque não queria magoar nem ofender ninguém. Eu teria que ser uma cantora gospel. Eu era destinada a isso. Demorou até ter a maturidade de saber que não tem problema”.
“Falei com minha mãe: ‘Quero muito ser cantora pop, mas não para te fazer mal, para te afrontar. Mas o que eu quero dizer talvez pode não agradar seu público’ […] A gente estava comendo uma pizza e comecei a falar. Eu chorei, ela chorou. Foi engraçado a gente emocionada na pizzaria e o povo olhando”, contou, garantindo que teve a compreensão da mãe.
“Ela falou: ‘Não vai ofender, eu te amo, mesmo sem concordarmos’. Amor é isso. Não é querer mudar o outro. Uma mãe vai educar, mas uma hora o filho vai decidir. Não é culpa sua, é responsabilidade dele. Todo mundo faz suas próprias escolhas”, disse, colocando-se de forma autônoma.
Repercussão
O clipe, que teve audiência de forma instantânea, suscitou reações inesperadas pela jovem: “Teve 100 mil views em menos de uma semana, foi surreal. Por outro lado é chato, pois parte do público está sendo bem maldoso. Estou sofrendo ataque nas redes. [O vídeo] está com mais ‘dislikes’ que ‘likes’. Com isso, eu fico chateada. Um público que deveria estar falando de amor, respeito, está me atacando”, disse, evidenciando que, em sua visão, a obrigação dos cristãos de amarem ao próximo deveria funcionar como uma supressão da opinião crítica e da liberdade de expressão.
“Acho complicado. Não tem que orar para a pessoa fazer o que você quer. Se quiser orar para Deus me abençoar, ter minha vida feliz, por minha saúde, ótimo […] Espero que em algum momento eles superem, pois não quero ofender. Mas também tem muitas mensagens bonitas de gente que era ‘criança viada’, que era fã da época gospel, e sobre o poder feminino”.
Por fim, Clara Tannure hasteou bandeira branca: “Pessoas desejando o meu mal, isso é complicado. Usando a religião para perpetuar preconceito, ser agressiva. É importante olhar para sua própria vida e ser uma pessoa boa. Espero que as pessoas entendam que não quero brigar […] Não frequento a igreja, nem pretendo voltar. Mas acredito em Deus e nas pessoas. Acho que não precisa ter religião e seguir certas regras para ter uma vida com fé, que faça diferença. Quem tem religião, ótimo. Quero tocar a vida das pessoas, mas este não é o meu caminho”, encerrou.