A eventual indicação de um evangélico para o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) é um aceno à bancada evangélica no Congresso, que vem pleiteando a presença na Corte há algum tempo.
Na última sexta-feira, 31 de maio, o presidente questionou se não seria hora de o STF ter um evangélico como parte do time de onze ministros. A declaração, durante um evento da Assembleia de Deus Madureira, em Goiânia (GO), pode ser entendida como um aceno de Bolsonaro à bancada evangélica, que se dividiu na votação que retirou o COAF do Ministério da Justiça.
Um dos principais fomentadores da ideia de ter um evangélico no STF é o deputado João Campos (PRB-GO), que já foi presidente da Frente Parlamentar Evangélica – nome oficial do grupo de deputados e senadores – e continua como um dos principais articuladores internos.
Campos, assim como outros parlamentares (incluindo não-evangélicos) não gosta da postura da Corte sobre temas polêmicos: “Infelizmente, há precedentes do STF de invadir competências do Legislativo e legislar em nosso lugar”, criticou, em fevereiro deste ano, às vésperas do início do julgamento das ações que pedem a criminalização da homofobia.
“Os evangélicos não consideram o pedido um devaneio: eles correspondem a quase um quinto da Câmara — com 85 deputados —, onde são bem mais fortes do que no Senado, em que têm apenas seis senadores. Com integrantes de quase todos os partidos, a Frente Evangélica é um grupo heterogêneo também na origem de suas fés, com parlamentares de 20 denominações diferentes. A maioria é da Assembleia de Deus (26 deputados), Universal do Reino de Deus (17) e Batista (10)”, contextualizou o jornalista Guilherme Amado, em sua coluna no site da revista Época.
Ciente dessa pretensão e com reformas estruturais para aprovar, Bolsonaro agiu para afagar os aliados evangélicos, assim como a motivar os fiéis – essenciais para sua eleição em outubro do ano passado – a apoiarem as medidas que o governo precisa para que o país retome o crescimento e implemente ações para a redução da criminalidade, uma das bandeiras de campanha do presidente.
No STF, um representante evangélico seria mais uma voz na luta contra a legalização do aborto, que vem debatendo o assunto no julgamento da ADPF 442 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), apresentada pelo PSOL.
“Ah, se a gente tivesse mais Damares! No Planalto, seria ainda melhor”, comentou o deputado Dr. Jaziel (PR-CE), fiel da Assembleia de Deus. “A Damares é a ministra do Bolsonaro mais alinhada com a gente. Dá atenção, responde. Embora o Onyx [Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil] diga que faz esse trabalho, ele não chega perto da gente. Não temos acesso, não somos acolhidos no governo”, acrescentou, em tom de recado.
Segundo Guilherme Amado, a bancada evangélica “gosta de dizer que não indicou Damares Alves”, assim como nenhum outro titular de cargos relevantes no governo. “Reservadamente, muitos admitem que estão guardando cartuchos para usar em indicações que consideram ser estrategicamente mais importantes para eles. A começar pelo STF, onde se acham pouco ouvidos”, acrescentou o jornalista.
Desde que Magno Malta (PR-ES) perdeu a disputa pela reeleição ao Senado, a bancada evangélica ficou sem seu principal interlocutor com os ministros do STF. Um de seus últimos atos como senador, ainda segundo Guilherme Amado, foi um encontro com o presidente da Corte, ministro José Dias Toffoli, em que fez um pedido direto: “O senhor está aqui há dez anos e ainda tem mais de 20 anos de STF. Eu fui o que mais o defendeu em sua sabatina no Senado. Quero que o senhor não paute a questão do aborto no STF”, solicitou.
Enquanto não se descobre um nome, no meio evangélico, que atenda às exigências da Constituição Federal para a indicação ao STF – dentre outras, é necessário que o indicado tenha “notório saber jurídico” – os parlamentares evangélicos fazem campanha silenciosa para que Bolsonaro indique o procurador Guilherme Schelb, também evangélico, para o cargo de Procurador-Geral da República. “Ele conversa, interage conosco plenamente. É pessoa de fácil acesso. É excelente no trato. O diálogo é permanente”, declarou Lincoln Portela (PRB-MG).
Enquanto acalenta os sonhos da bancada evangélica, Bolsonaro atua de maneira estratégica para aprovar a nova previdência, assim como o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro, mantendo a estratégia que o levou ao Planalto: desafiar a lógica e o figurino reinante em Brasília.