Um ex-detento que cumpriu sentença no Carandiru se converteu ao Evangelho e tornou-se pastor e escritor. Em seu testemunho, Rodney Silva contou como foi a vida num dos piores presídios da história do Brasil, e como ouviu a Palavra de Deus até decidir seguir a Jesus.
A Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru por conta do bairro vizinho, foi um complexo penitenciário dividido em pavilhões que abrigava milhares de presos, a maioria condenados, e terminou desativada pelo governo do estado após uma rebelião em 1992.
Rodney Silva narrou sua experiência de vida, incluindo o tempo no Carandiru, no livro O Restaurador de Vidas. Na obra, menciona como sobreviveu ao massacre de 02 de outubro de 1992, quando 111 presos morreram quando a Tropa de Choque invadiu o local para por fim à rebelião.
Em entrevista ao portal Guia-me, Silva contou que era dependente químico quando foi transferido para o Carandiru, e o vício o alienou da realidade que estava prestes a enfrentar. “Quando eu entrei naquele lugar, não sabia onde estava entrando. O uso da droga me levava a situações de ainda não cair na realidade do que estava acontecendo na minha vida. E o impactante deste momento foi quando eu entrei lá e uma pessoa chegou para mim e falou: ‘Eu vou te dar um anjo da guarda’. Eu falei: ‘Não preciso de anjo da guarda’ e ele me falou: ‘você precisa, sim. Você precisa se defender’. O que aquele cara me deu como anjo da guarda era uma faca”, relatou.
“Um dia, um homem, muito maior do que eu, muito mais forte, falou para mim: ‘Você vai ser a minha mulher’. Ali, naquele momento, eu comecei a entender que eu estava em um presídio e que eu teria que aprender a sobreviver todos os dias, que eu teria de dormir com um olho fechado e outro aberto”, relembrou Silva.
Em certo momento de sua passagem pelo Carandiru, foi alocado no Pavilhão 9, ala do complexo penitenciário reservada para os criminosos mais violentos ou reincidentes. A percepção sobre esta ala era negativa para a sociedade do lado de fora, e temida pelos próprios detentos dos outros pavilhões.
Passar por essa ala, segundo Silva, funcionava como uma espécie de atestado de periculosidade: “O cara não precisava fazer nada, mas só dele ter dormido uma noite no Pavilhão 9, o conceito dele era muito maior que os de outros pavilhões. Era respeitado no mundo do crime”, contou.
“O teu ego fica de uma forma que você acha que está protegido, mas mal você sabe que está sendo perseguido todos os dias, porque todo aquele presídio tem o desejo de ficar no Pavilhão 9”, acrescentou.
Sobre a rebelião que culminou no massacre, Rodney Silva conta que só tem lembranças ruins: “Foram momentos muito tortuosos, muito difíceis, em que conheci amigos de rua, que andavam comigo, mas que não pude defender no momento em que morreram. Eu os vi morrer na minha frente […] Olhando para o que aconteceu na minha vida, hoje, pela Palavra de Deus eu entendo: sou um milagre”, avaliou.
O contato com a Palavra de Deus se deu, inicialmente, através dos evangelistas que visitam a Casa de Detenção para pregar aos detentos. Entretanto, o impacto maior para Silva foram as pregações que ouviu de companheiros de cela: “Conheci pessoas que não falavam 24 horas por dia de Jesus, mas tinham palavras sábias para poder acalmar o meu coração naquele momento difícil. Essas pessoas não se envolviam em brigas, mas liam a Bíblia. Aquilo me chamava a atenção”.
“Essas pessoas não falavam para mim: ‘Entrega a tua vida para Jesus’, mas falavam: ‘Você vai passar por uma experiência que só Deus vai te mostrar’ ou ‘A experiência que você vai ter com Deus vai ser enorme para a sua vida’”, relembrou.
Essas palavras acompanharam o então presidiário mesmo quando o Carandiru foi desativado, e ele, com o histórico de ter cumprido parte da sentença no Pavilhão 9, vivia sendo transferido de todas as penitenciárias por onde passava.
“Eu não conseguia parar nos presídios, porque havia passado pelo Pavilhão 9. Era considerado um cara problemático. Quando apareceu a oportunidade da penitenciária do Pacaembu, não acreditei que conseguiria entrar”, disse, referindo-se à penitenciária do estado do Mato Grosso.
Ao chegar na penitenciária de Pacaembu, encontrou uma pessoa que se tornou seu amigo, protetor e conselheiro: “O que eu me lembro é que ao chegar lá, um cara muito maior que eu chegou para mim e disse: ‘Ei, você vai ficar na minha cela’. Eu pensei: ‘E agora? O cara é maior que eu. Vai ser mais um [pra tentar abusar de mim]’. Naquele momento eu não esperava que aquele cara se tornaria mais que um irmão para mim, mas sim um pai”, disse.
“Ele me falava: ‘Você só tem três coisas para fazer neste lugar. Primeiro: quero você trabalhando e tirando a sua remissão; segundo: nada vai acontecer com você até você sair deste lugar; terceiro: confie em Deus que o melhor Ele vai fazer na sua vida’”, contou o pastor e escritor.
Ao sair da cadeia, Silva contou a experiência vivida em Pacaembu para sua mãe, e pediu que ela preparasse um “jumbo” (termo usado pelos detentos para se referir a um kit com produtos de higiene pessoal e alimentos) para ele enviar ao colega de cela que o havia protegido.
Quando ele voltou ao presídio com o “jumbo”, descobriu que o amigo, na verdade, não constava dos registros de presidiários: “Ninguém sabia o nome desse cara, ninguém viu esse cara. Ele não fazia parte de nenhuma penitenciária. Até hoje eu procuro e não consigo encontrá-lo […] Foi nesse momento que eu entendi que ali eu tive um anjo da guarda. Um cara que esteve ali para me proteger. Foi como ver Jesus em pele”, concluiu.