O BOPE se tornou uma das tropas de elite mais admiradas do país depois que os dois filmes dirigidos por José Padilha mostraram a realidade do combate ao tráfico nos morros do Rio de Janeiro. Dez anos depois do primeiro longa, o batalhão volta às manchetes ironizado por ter uma grande parte de policiais evangélicos.
O jornal Folha de S. Paulo, o maior do país em termos de circulação, publicou uma matéria sobre o BOPE (Batalhão de Operações Especiais) com críticas ao fato de que suas ações resultam em mortes de criminosos, a despeito de ser uma força policial que atua em situações limite, não em patrulha.
Mesmo com o Rio de Janeiro registrando 90 mortes de policiais até a última sexta-feira, 21 de julho, a jornalista Anna Virginia Balloussier sugere em sua matéria que seria exagero o uso de espinhos de ferro no asfalto da rua que leva à sede do batalhão.
No local, há um quadro com os “11 Mandamentos” do BOPE no refeitório: “Agressividade controlada, controle emocional, disciplina consciente, espírito de corpo, flexibilidade, honestidade, iniciativa, lealdade, liderança, perseverança, versatilidade”.
Fé e profissão
Recentemente, os policiais evangélicos que integram o BOPE inauguraram um templo em uma ala da sede do batalhão. O local foi construído com R$ 50 mil doados pelos fiéis e também por pessoas de fora da polícia.
“O pastor imposta uma voz cantada que atinge notas altas a cada ‘amém’, um fiel se ajoelha para pôr a testa sobre a Bíblia deitada numa das 40 cadeiras de plástico brancas do salão”, descreve a jornalista.
Os grupos Tropa de Louvor e Caveiras de Cristo usam o símbolo do Bope – um crânio com uma faca cravada, duas pistolas amarelas em forma de X e um círculo vermelho – e os policiais evangélicos defendem a iniciativa na entrevista, dizendo que a crucificação de Jesus aconteceu num lugar chamado Gólgota, que significa “o lugar da caveira”.
O subtenente André Monteiro, 46 anos, um dos líderes do grupo de evangélicos, argumenta: “O sangue que Jesus derramou por nós” está presente no círculo, e assim, “o símbolo do Bope mostra a vitória sobre a morte”.
Carlos Eduardo Sarmento, comandante do BOPE, rebate as críticas de quem afirma que houve privilégio aos evangélicos por possuírem um espaço para cultos na sede do batalhão, e diz que a área é “aberta a qualquer um”.
Sarmento ainda frisa que os cultos são realizados “na hora do almoço, sem prejudicar a administração pública”, da mesma forma que os valores usados na construção do espaço não oneraram os cofres públicos.
Mortes
A jornalista Anna Virginia Balloussier exerce, na Folha, um papel de explorar a fé evangélica por um viés que apresenta a cultura, hábitos e crenças desse grupo como algo exótico. Assim, suas matérias, frequentemente, usam a compreensão dos fiéis sobre diversos temas de forma simplista, o que transmite a ideia de que a fé leva as pessoas à alienação.
Na entrevista à Folha, o subtenente Monteiro mostra trechos bíblicos que, apesar de não incentivarem a violência, a reconhecem como uma consequência bastante comum na história de quem escolhe fazer o mal para explicar o porque não há sentimento de culpa entre os policiais do BOPE quando matam durante as operações do batalhão.
“Homem de grande ira tem de sofrer o dano; porque, se tu o livrares, virás ainda a fazê-lo de novo (Provérbios 19:19)”; e “se um ladrão for achado arrombando uma casa e, sendo ferido, morrer, quem o feriu não será culpado do sangue (Êxodo 22:2)”, argumentou Monteiro.
“Ninguém tem essa vocação de ceifador de vidas. [A gente] consegue dormir tranquilamente [após matar]”, reforça o comandante Sarmento, católico, explicando que disparar uma bala contra um bandido pode ser necessário no desempenho da função.
Monteiro conta à jornalista que se converteu ao Evangelho depois de ver um colega morrer durante uma operação, vítima de “um tiro que explodiu pulmão, coração, fígado”. Segundo o legista, ao ser alvejado, esse policial morreu na hora.
No entanto, Monteiro garante que ouviu sua voz depois de ser atingido, chamando-o para se proteger em um buraco no morro, que tinha aproximadamente meio metro de profundidade, o suficiente para protegê-lo dos disparos. “Ele chamou, e eu pulei junto”, relembrou.
Na ocasião, ele também foi baleado, na mão direita, depois que o projétil acertou a metralhadora. Seu colega, que morreu na hora de acordo com o legista, era evangélico, e Monteiro aponta esse fator como o “milagre” que o convenceu a se entregar a Jesus: como pode um morto tê-lo ajudado a se proteger?
Correção
A fé, segundo o subtenente Valmir Silva, 46 anos, membro da Igreja Pentecostal Deus É Amor, acredita que a presença de um grupo evangélico no BOPE pode inspirar policiais e desmanchar o estereótipo de que os integrantes do batalhão são máquinas de matar.
Citando João Batista, que “chegou lá todo esquisitão, com roupa feita de pelo de camelo, comendo mel e gafanhoto”, dando um ultimato, como “arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus”, Silva argumenta que o profeta estabeleceu parâmetros que todo policial deveria seguir: “Não maltratar nem extorquir ninguém”.
Assim, acredita Silva, policiais que “escreveram errados por linhas tortas” podem ter sua conduta corrigida. Monteiro concorda, e compara os evangélicos do BOPE com os “valentes de Davi”, que guerreavam as batalhas travadas por seu líder: “O rei sabia que podia contar com eles”.