Um grupo de estudiosos sobre a cultura popular dos Estados Unidos está se debruçando sobre as origens da música gospel, que teve seu período áureo entre 1945 e 1975 naquele país.
O termo “música gospel” atualmente é aplicado de forma ampla, mas em sua origem referia-se às canções compostas e gravadas por artistas negros das igrejas, a maioria Batistas. Dessas origens surgiram os estilos soul, R&B, blues, disco e até o funk (que décadas depois seria desfigurado nos morros cariocas).
Segundo informações do portal Nexo Jornal, o período áureo da música gospel é visto pelos pesquisadores como uma época que fez surgir canções que incorporavam “as palavras do domingo de manhã à música do sábado à noite”.
São reconhecidos como essenciais nesse processo artistas como Mahalia Jackson, Sister Rosetta Tharpe e o reverendo C. L. Franklin (ouça abaixo), pai da cantora Aretha Franklin.
Nessa mesma época, a música gospel se tornou uma ferramenta de conscientização política e social, motivando e engajando os negros norte-americanos na luta por direitos civis e combate às práticas segregacionistas. Esse movimento, hoje, é lembrado como uma luta simbolizada pelo pastor batista Martin Luther King Jr.
“Apesar da relevância da produção desse período, estima-se que 75% do material gravado esteja perdido. Para tentar recuperar esse acervo, o pesquisador Robert Darden, autor de três livros sobre música gospel, fundou um projeto de restauração em 2007. O Black Gospel Music Restoration Project foi desenvolvido na Universidade de Baylor, em Waco, Texas, onde Darden é professor de jornalismo. A instituição tem ligação com a Igreja Batista”, contextualiza o jornalista Camilo Rocha, do Nexo Jornal.
A proposta tem características quase que arqueológicas, já que se dispõe a encontrar gravações que ainda não estejam catalogadas, e arquivá-las em cópias físicas e digitais. A intenção é reunir o máximo possível do que foi lançado por cada artista ou grupo gospel negro no período.
O material que for reunido será disponibilizado online, com áudio e informações sobre cada gravação. Porém, devido a questões relacionadas a direitos autorais, nem todas as músicas catalogadas podem ser executadas no site. Mas os responsáveis garantem que interessados podem entrar em contato com o Black Gospel Music Restoration Project para ter acesso à totalidade do acervo.
Com discos em 45 e 78 rotações, álbuns e diferentes formatos de fita lançados nos EUA e no exterior, o acervo terá ainda materiais promocionais, áudios de entrevistas, fotografias, clipagens de imprensa, objetos e partituras.
Robert Darden entende que alguns fatores explicam o desaparecimento da maior parte das gravações: “Um é o racismo, o outro é econômico”, disse o pesquisador portal Oxford American.
Ele revelou que muitas gravadoras detêm os direitos de várias dessas obras, mas não consideram que seu relançamento seja financeiramente compensador. Nas décadas de 1960 e 70, um pouco de preconceito religioso também contribuiu para que o material não fosse difundido de forma ampla.
Segundo Darden, um pesquisador relatou que as pessoas não compreendiam corretamente o que era o movimento. “Quando eu era novo, sempre havia na vizinhança caras com camisas brancas e gravatas pretas querendo falar com você sobre Jesus. E você queria ir na direção oposta a esses caras… para quem não conhece, o gospel assusta um pouco”, disse um pesquisador a Darden.
A música gospel negra tem suas raízes em sonoridades do século 19, com influência da música clássica e também de cantos dos negros escravos. “A fusão de ideias rítmicas africanas com ideias musicais ocidentais estabeleceu as bases para um gênero de música afro-americana, em particular, os spirituals e, mais tarde, as canções gospel”, definiu Robert Stephens, professor de música da Universidade de Connecticut, em artigo de 2018.
No Brasil, o termo “gospel” terminou por servir como descrição das músicas criadas por artistas evangélicos, sem restrição de sonoridades, e tocadas nas igrejas.
Wings of Faith (reverendo C. L. Franklin)