A luta pela audiência provocou uma acalorada polêmica na Austrália, onde duas das principais redes de televisão disputam a exclusividade na cobertura jornalística de um menino que supostamente seria sacrificado por uma tribo canibal na província indonésia de Papua.
Cinco repórteres das redes “Nine Network” e “Seven Network” estão a ponto de serem deportados da Indonésia por viajar para Papua sem declarar sua condição de jornalistas.
Liderados por Naomi Robson, uma das estrelas da “Seven Network”, a equipe tinha se deslocado para Papua (leste) para investigar o caso de Wah-Wah, um órfão de seis anos supostamente eleito para protagonizar uma cerimônia canibal por seus semelhantes da tribo Korowai.
Essas informações haviam aparecido em maio no programa “60 Minutes”, da “Nine Network”, a rede que agora acusa a “Seven Network” pelo roubo de uma notícia que foi vista na época por cerca de 2 milhões de espectadores.
A “Seven Network”, por sua vez, acusa seu concorrente de subornar a população local para que não ajudasse Robson e sua equipe a localizar o povoado de Wah-Wah, localizado em uma área de selva a cerca de 100 quilômetros da fronteira com a vizinha Papua Nova Guiné.
Outras opiniões, como a do jornalista australiano Doug Conway, foram além. Ontem, Conway escreveu que Robson estava mais interessada em filmar a suposta cerimônia canibal do que em salvar Wah-Wah, como disse antes de começar sua frustrada missão em Papua.
Como se não bastasse, analistas e antropólogos completam a série de desatinos ao contestarem que a prática do canibalismo seja recorrente em Papua (a antiga Irian Jaya).
“O canibalismo em Papua acabou quando a Bíblia foi introduzida, e isso aconteceu antes de eu ter nascido”, disse à agência “AAP” Paula Makabory, ativista dos direitos humanos em Papua.
A tese de Makabory, familiarizada com as tradições e a cultura da tribo Koroway por meio de um tio que trabalha na região, coincide com a de Richard Chauvel, historiador da Universidade de Vitória (Melbourne).
Chauvel diz que os Korowai praticaram o canibalismo no passado com os membros acusados de bruxaria, mas que é errado apresentá-los como canibais na atualidade, e mais ainda como uma “tribo perdida”.
O acadêmico acredita que a confusão se deveu ao fato de os profissionais do programa “60 Minutes” terem achado que os papuanos entrevistados falavam do presente, quando na verdade se referiam a seus antepassados antropófagos.
Essa possibilidade parece não ter sido detectada pela “Seven Network” e por Naomi Robson, esperada na Austrália após sua repatriação por entrar sem visto de jornalista em Papua, onde o conflito armado separatista restringe o acesso aos estrangeiros.
Sua chegada deve marcar um novo capítulo no debate aberto na Austrália sobre os limites das redes de televisão na briga pela audiência, algo apontado por Chauvel para explicar o acontecido.
“É esse tipo de excesso que deixou a imprensa marrom sem controle”, indicou à “AAP” o especialista, em referência às duas cadeias que já anunciaram que empreenderão ações legais pelo ocorrido.
O antropólogo Chris Ballard se manifestou de forma mais contundente. Ele disse à rádio “ABC” que “os verdadeiros canibais nisto são as televisões comerciais, que tentam comer as audiências umas das outras”.
Fonte: Último Segundo