A aproximação entre a TV Globo e os líderes evangélicos de maior expressão nacional, como o pastor Silas Malafaia, bispo Robson Rodovalho e outros pertencentes à Concepab, rendeu um pedido especial e inusitado deles à emissora.
De acordo com informações do caderno Ilustrada, do jornal Folha de S. Paulo, os líderes convidados para reuniões pelo diretor global Amauri Soares pediram uma personagem evangélica heroína em uma das novelas que a emissora lançará em breve.
Embora o setor de teledramaturgia global tenha autonomia para criar personagens, a assessoria da emissora afirmou que os líderes evangélicos “manifestaram o interesse em falar sobre o perfil atual do evangélico brasileiro para autores e roteiristas”, numa clara intenção de desfazer estereótipos. “A emissora considera a contribuição relevante, assim como as que recebe de vários segmentos da sociedade, inclusive de outras religiões”, completou a nota.
A reunião sobre o tema, porém, não pôde ser realizada: “O Amauri [Soares] me explicou que a teledramaturgia é muito independente”, declarou o pastor Silas Malafaia, que foi ouvido pela reportagem da Folha.
A professora doutora da Unicamp, Karina Bellotti, que conduz estudos sobre mídia e religião na universidade, afirma que “nos últimos cinco anos, a Globo se aproximou desse público porque tem lhe conferido não somente peso de formação de opinião, mas também de mercado consumidor”.
Ela produziu um artigo especial para a Folha sobre a presença dos evangélicos na mídia, falando brevemente sobre a evolução da abordagem feita pelos veículos de massa, que no final dos anos 1980, tinha conotação pejorativa, devido aos escândalos provocados por alguns líderes neopentecostais.
-Muitos se perguntavam quem era esse grupo e como ele havia alcançado essa visibilidade, num país até então majoritariamente católico. O sentido das coberturas era em geral ofensivo, de reportagens investigativas, com câmeras escondidas, entrevistas com dissidentes, retratando de forma negativa a relação entre alguns grupos de evangélicos (os chamados neopentecostais) e a arrecadação de dízimos e ofertas. Reportagens mostrando cultos da Universal em estádios, com sacos de dinheiro sendo abençoados, foram mostrados de forma demonizadora, sendo contrapostas a depoimentos de outros líderes religiosos que condenavam a prática, afirmando que isso não era cristianismo – contextualiza a professora.
Segundo Karina Bellotti, houve mudança de postura, e ela se explica pelo crescimento de poder econômico, político e intelectual registrado no meio: “Da quase ausência de cobertura de eventos evangélicos, como a Marcha para Jesus, para a cobertura no ‘Jornal Nacional’ dos cem anos da Assembleia de Deus (2011), da Marcha para Jesus, e mesmo dos protestos feitos por Silas Malafaia contra o projeto de lei 122/06 (contra a homofobia), vemos uma mudança de atitude significativa”.
O foco da emissora, segundo Karina, é atualmente, dar visibilidade à busca do evangélico por transmitir uma imagem de cidadão que contribui com a sociedade: “Então, destaca-se essa autoimagem positiva, de povo honesto, trabalhador, que canta, louva, veste-se de forma elegante, mas sem ostentação; que é igual a todo mundo no dia a dia, e que leva sua crença muito a sério, pois enxerga na própria vida um testemunho a ser dado para quem não é evangélico –a ideia de ser ‘sal da terra, luz do mundo’”.
Já o blogueiro Julio Severo aborda o assunto a partir do ponto de vista estritamente comercial: “De acordo com o AdNews, a Globo fechou 2012 com o pior ibope de sua história. Para quem queria entender a “bondosa” atitude da emissora de se aproximar de líderes e cantores evangélicos de destaque, a resposta é óbvia: melhorar o ibope […]Em anos mais recentes, a TV Globo vem sendo denunciada por sua patente hostilidade aos cristãos, e sua programação com tal discriminação anticristã não é poupada de críticas”, escreveu Severo.
Para ele, “a tradição global de nudez e sexo nas novelas parece não incomodar tanto o seu antigo público evangélico quanto temas de espiritismo e anticristianismo. Para estancar a perda desse público e de ibope, a Globo vem procurando amenizar suas posturas anticristãs, até mesmo patrocinando eventos de cantores evangélicos”, afirmou, referindo-se ao Festival Promessas.
Confira a íntegra do artigo “Os evangélicos e o Ibope da Globo”, de Julio Severo neste link. Leia abaixo, a íntegra do artigo “Análise: Peso político e poder de consumo impulsionam presença dos evangélicos na TV”, escrito pela professora doutora Karina Bellotti, da Unicamp, para a Folha de S. Paulo:
O final dos anos 1980 e o início dos anos 1990 foram marcados pelo estranhamento em relação aos evangélicos por parte da grande imprensa e das grandes redes abertas –Globo, Manchete, SBT, em especial, após a compra da Rede Record por Edir Macedo, bispo e fundador da Igreja Universal do Reino de Deus.
Muitos se perguntavam quem era esse grupo e como ele havia alcançado essa visibilidade, num país até então majoritariamente católico.
O sentido das coberturas era em geral ofensivo, de reportagens investigativas, com câmeras escondidas, entrevistas com dissidentes, retratando de forma negativa a relação entre alguns grupos de evangélicos (os chamados neopentecostais) e a arrecadação de dízimos e ofertas.
Reportagens mostrando cultos da Universal em estádios, com sacos de dinheiro sendo abençoados, foram mostrados de forma demonizadora, sendo contrapostas a depoimentos de outros líderes religiosos que condenavam a prática, afirmando que isso não era cristianismo.
O período de 1989 a 1995 foi marcado por uma espécie de “guerra santa”, que culmina com o “chute na santa”, dado por um pastor da Universal no dia de Nossa Senhora Aparecida, em 12 de outubro de 1995. Nesse período, vemos vários veículos de comunicação demonizando os neopentecostais, o que “respinga” em outros grupos evangélicos que não são identificados com esse grupo.
Ressalto a minissérie “Decadência”, veiculada pela Globo em setembro de 1995, escrita por Dias Gomes, em que Edson Celulari interpretava um pastor sem escrúpulos, além da própria cobertura dada pela Globo, uma emissora tradicionalmente simpática ao catolicismo, por conta do chute na santa.
Observamos que, nos últimos cinco anos, a Globo tem se aproximado deste público, porque tem lhe conferido não somente um peso de formação de opinião, mas também de mercado consumidor.
Agora há o Festival Promessas, o selo da Som Livre para música cristã contemporânea –que reúne artistas evangélicos e católicos, que já tocaram no Faustão e tiveram música em trilha sonora de novela.
Da quase ausência de cobertura de eventos evangélicos, como a Marcha para Jesus, para a cobertura no “Jornal Nacional” dos cem anos da Assembleia de Deus (2011), da Marcha para Jesus, e mesmo dos protestos feitos por Silas Malafaia contra o projeto de lei 122/06 (contra a homofobia), vemos uma mudança de atitude significativa.
É importante destacar que a bancada evangélica cresceu no Congresso (e que tem se aproximado do governo desde a administração Lula), cresceu o poder aquisitivo de muitos evangélicos que ocupavam a chamada classe C e aumentou a mobilização de parcelas de evangélicos nas redes sociais, o que dá maior voz e visibilidade para esse grande e heterogêneo conjunto religioso denominado “evangélico”.
Se antes o evangélico era retratado de forma demonizada –no caso das lideranças– ou paternalista –no caso do fiel, retratado como um sujeito vulnerável aos ataques de líderes inescrupulosos–, atualmente vemos um retrato mais positivo, mas ainda longe da sua grande diversidade. São retratados como sujeitos religiosos que merecem respeito, que votam, que consomem e são exigentes na qualidade do que lhe é oferecido.
A aproximação se dá mais pela música, pela figura feminina de artistas como Ana Paula Valadão (que recentemente cantou no “Encontros com Fátima Bernardes”) e Aline Barros, e até por programas como “Sagrado”, que traz diferentes lideranças religiosas para falar sobre diversos assuntos da vida e da morte.
É uma aproximação ainda cuidadosa, que não livra a Globo dos deslizes de chamar os cantores evangélicos de “estrelas da música gospel” (a crença rejeita qualquer alusão a idolatria), mas perto de como era –e não era– antigamente, é um grande avanço, que é comemorado por muitos evangélicos nas redes sociais.
Lembro-me de como a ida de Aline Barros ao “Domingão do Faustão” foi comemorada por blogs e em comunidades evangélicas no Orkut. Como o universo evangélico é muito diversificado, é difícil pontuar que só há desconfiança em relação à iniciativa da Globo em se aproximar deste grupo; a Record procura galvanizar a atenção dos “evangélicos” como um todo, oferecendo programação religiosa, mas não há unanimidade entre os evangélicos em relação ao que essa emissora produz.
Acredito que as redes sociais têm ajudado a conferir maior visibilidade; o próprio uso da mídia feito por grupos evangélicos tem conferido também esta visibilidade, seja em termos de evangelização, seja nas campanhas eleitorais e até nas ameaças de boicote a novelas da Globo, como “Salve Jorge”.
Agora, uma das características ligadas historicamente a uma suposta “identidade evangélica” no Brasil é essa idéia de estar afastado da grande sociedade católica ou secular; essa ideia de “estar no mundo, mas não pertencer a ele”.
O reconhecimento maior que a grande mídia tem oferecido aos evangélicos traz alguns desafios a essa autoimagem evangélica, pois dentro desse grupo heterogêneo destaca-se o desejo de vigiar de perto o que a grande mídia fala sobre ele, tendo em vista todo o histórico de agressões e perseguições empreendidas.
Então, destaca-se essa autoimagem positiva, de povo honesto, trabalhador, que canta, louva, veste-se de forma elegante, mas sem ostentação; que é igual a todo mundo no dia a dia, e que leva sua crença muito a sério, pois enxerga na própria vida um testemunho a ser dado para quem não é evangélico –a ideia de ser “sal da terra, luz do mundo”.
Por Tiago Chagas, para o Gospel+