Um missionário da Portas Abertas que atua em países do Oriente Médio e norte da África veio ao Brasil e falou sobre a realidade da Igreja Perseguida no mundo, lamentando as divisões entre evangélicos em países onde o cristianismo é hostilizado.
Matthew Burns (pseudônimo adotado por razões de segurança) está no Brasil para compartilhar experiências e seu testemunho no árduo trabalho de anunciar o Evangelho em países onde o cristianismo é hostilizado.
Na entrevista exclusiva ao GospelMais, o missionário falou sobre divisões existentes entre fiéis de igrejas históricas e congregações independentes, pontuando que esses atritos ameaçam a possibilidade de pregar o Evangelho de maneira eficaz.
Confira a entrevista:
Qual tem sido o papel da igreja evangélica brasileira no apoio à Igreja Perseguida mundo afora?
É muito importante lembrar que o cristão brasileiro tem um conceito de família muito arraigado e muito bonito. No tempo que vivi no Brasil – foram 10 anos em uma comunidade de Belo Horizonte – eu pude viver situações em que a comunidade cristã chamava de família todos que eram próximos: família, vizinhos, bairro, amigos, todos que se aproximavam.
Esse é o cristão brasileiro. Ele se ajuda nas tragédias, se ajuda nas pandemias, nas tragédias naturais. Isso me ensina muito sobre cristianismo. E isso não é diferente quando falamos de Igreja Perseguida.
O cristão brasileiro, a igreja evangélica brasileira, tem tido um importante papel no apoio à Igreja Perseguida, quando percebe que está o que Paulo escreveu na primeira carta aos Coríntios 12.26: “Quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele; quando um membro é honrado, todos os outros se alegram com ele”.
O cristão brasileiro tem orado pela Igreja Perseguida, participando do Domingo da Igreja Perseguida e do Shockwave, atendendo aos pedidos de oração pelos cristãos perseguidos e também tem ajudado financeiramente a manter em pé e perseverante os cristãos que não têm liberdade para adorar a Jesus.
Ainda há muito o que fazer para que mais cristãos brasileiros conheçam e participem da vida do cristão perseguido. Mas já vemos um mover muito grande nesse sentido aqui no Brasil.
No Brasil, os cristãos são divididos entre católicos e evangélicos em linhas gerais. No meio evangélico, há inúmeras ramificações, com algumas tradições recusando reconhecer a legitimidade de outras. Nesses países onde há perseguição, há algum debate sobre divergência teológica entre diferentes confissões?
Em muitos países onde há perseguição ainda há essa divergência teológica, sim. Em muitos deles, por exemplo, apenas igrejas históricas são permitidas de funcionar e igrejas domésticas são violentamente reprimidas.
Nós testemunhamos, muitas vezes, a própria igreja cristã ‘oficial’ nesses países serem agentes de perseguição contra igrejas que querem se levantar, abrir suas portas, mas não podem porque essas igreja não permitem e têm o Estado ao lado delas.
Mas podemos ver, também, em muitas comunidades mais distantes, principalmente em países do Norte da África, que não existem igrejas instituídas, que existem grupos de cristãos que se reúnem em torno da Palavra de Deus, distantes de discussões teológicas ou placas denominacionais.
Qual a percepção dos cristãos sírios sobre a tentativa de deposição de Bashar al-Assad?
O cristão sírio vive em constante vigilância e estado de alerta, pois é vítima de perseguição não apenas por parte do governo, mas principalmente por parte de grupos extremistas islâmicos, como o Estado Islâmico, que se aproveitou da guerra para perseguir ainda mais os cristãos no país.
Desde antes da Primavera Árabe, em 2011, que culminou a guerra civil que dura até hoje, o cristão já era perseguido por esses grupos e pela maioria muçulmana no país. A questão política e a guerra só veio aumentar a perseguição a cristãos sírios.
Por isso, não há uma percepção clara da tentativa de deposição do atual governo por parte do cristão que está, há anos, tentando sobreviver e permanecer firme e perseverante em sua fé, diante de tantos agentes de perseguição na Síria.
A comunidade cristã no norte do Iraque já se reorganizou depois dos anos de expurgo promovido pelo Estado Islâmico?
Tem se reorganizado, sim. Muitos cristãos cujos vilarejos foram destruídos pela invasão do Estado Islâmico no Iraque voltaram para suas comunidades e agora precisam reconstruir suas vidas.
Em 2017, os cristãos que precisaram fugir do Estado Islâmico puderam voltar as suas comunidades e começar a reconstruir suas vidas. No entanto, eles se depararam com ruínas e cinzas. Tudo o que haviam construído até aquele momento fora destruído.
Além das casas estarem queimadas e depredadas, as fábricas e os comércios locais tinham desaparecido. A grave crise econômica não permitia que as pessoas tivessem dinheiro para reconstruir seus lares e negócios.
Famílias inteiras necessitavam de socorro imediato para ter o que comer e vestir. Mas a longo prazo, elas precisam ter onde trabalhar e de onde tirar seu sustento. Muitos cristãos querem reconstruir sua vida e trabalho, mas não têm matéria-prima, maquinário e funcionários.
A Portas Abertas tem campanhas em que o cristão brasileiro pode apoiar esses cristãos iraquianos a voltar para casa e ter sua vida restabelecida em suas cidades, com seu trabalho e sua igreja. Uma dessas campanhas está no link Iraque – Portas Abertas. E para saber mais sobre as cidades em que os cristãos estão retomando suas vidas, leia: Mosul Completa Sete Anos de Liberdade.
Conte-nos um testemunho de irmãos perseguidos que o impactou pessoalmente.
Eu estou na Portas Abertas desde 2011 exatamente quando houve a Primavera Árabe*, que foi um levante popular político, mas que afetou cristãos em todos os países. O evento culminou em guerra por todo o mundo árabe e alguns países, como Tunísia, Iêmen, Iraque, Síria declararam guerra civil – em que se encontram até hoje, deixando os cristãos mais vulneráveis à perseguição e a ações de radicais islâmicos, como Estado Islâmico e outros grupos extremistas.
Há dezenas de histórias de cristãos perseguidos que mexem comigo. Em 2014, um grupo de cristãos egípcios foram degolados em uma praia na Líbia. Assistir aquelas cenas, atender às famílias cristãs no Oriente Médio e rever múltiplas vezes o que havia acontecido com trabalhadores, pelo simples fato de serem cristãos, mexeu profundamente comigo e repercute muito, até hoje, em meu trabalho.